segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A hidra

Ando trocando as pernas ultimamente. Bêbada de sono e desgosto, escrevo esta crônica mal humorada. É que ando cansada de assistir à luta contra essa hidra de mil cabeças chamada corrupção brasileira. Mas que raio de bicho é esse que não morre nunca? Mal lhe cortam uma cabeça, nascem mil outras em seu lugar.

E o que é essa nossa gente sem sangue? Já me perguntei várias vezes o que lhes corre nas veias. Creio que é anestésico. Ou Lexotan, vai saber. O certo é que se arrastam feito zumbis, incapazes de reagir. Zumbis, não! Bovinos, que com seus olhinhos redondos e dóceis se conformam em sacudir as orelhas para espantar os vorazes parasitas que lhes devoram as carnes.

O que dizer dessas almas tão seletivas quando se trata de protestar? A lista de condições é maior que o rol de ex-amigos que Marcelo Odebrecht deve citar em sua colaboração premiada: não vou porque fulano vai; não frequento passeatas em que está beltrano; não participo de protestos com gente que pensa assim ou assado. Minha Santa Rita dos Impossíveis, como é difícil agradar à torcida canarinho! Tão sensíveis, melindram-se por um nada! Mas não se coçam diante da tal hidra da corrupção. Ui, que feio isso, deixa eu escrever um texto no Facebook! – exclamam. E esse gesto de catarse e auto-exposição lhes basta. Vendidos por meras curtidas e comentários. Nem precisa pensar muito: basta um meme engraçadinho e uma frase de efeito.

Alguns se lamentam e choram. Inócuo, amigo. Guarde suas lágrimas para o enterro dos que morreram nos hospitais desguarnecidos da nossa Terra de Vera Cruz. Se pranto desse jeito em corrupto, bastava contratar umas carpideiras gregas para se descabelar na praça dos Três Poderes. Não é o caso, pois a experiência mostra que enquanto as carpideiras estivessem se desidratando de tanto chorar, os citados na Lava Jato estariam lambendo os dedos sujos do molho que cobria os camarões gigantes num jantar.

Anastasios-Gionis (31):
Afinal foi isso o que todos vimos naquele casamento bancado pela Lei Rouanet, não é? Aliás, que momento memorável: ainda vejo os cílios postiços da noiva (tão grandes quanto a lista de acusações contra o Renan Calheiros no STF), a voz embargada do noivo (corruptos também choram) e aqueles detalhes tão refinados que parecem ter saído direto de um romance de Edith Wharton.

Adianta lembrar que foi o meu e o seu dinheirinho que financiaram aquele momento mágico? Assim como bancaram a festa dos guardanapos em Paris, reformaram sítios e triplexes e financiaram jóias e roupas de uma certa família carioca que tem o inacreditável dom de gastar o Orçamento da União em um fim de semana na Europa? Aprenda de uma vez: sociopatas não tem empatia. Só choram por si mesmos.

Brasileiro é um bicho estranho: engole uma boiada de corruptos e se engasga com um mosquito esquálido. De um lado continua a reeleger corruptos com pedigree, histórico de reincidência e extensa ficha corrida; enquanto, de outro, perante histórias fictícias e causas espetaculares (geralmente expostas com estardalhaço em redes sociais) há desmaios, ranger de dentes e mil petições na Internet. Não tem orixá que salve esse povo cuja adolescência emocional se prolonga até a meia idade cronológica. Aliás, anote aí: cada vez que um brasileiro dá chilique no Facebook por causa de um não-problema, morre um panda bebê no viveiro de Sichuan. E nasce uma cabeça a mais na tal hidra da corrupção. Olha o foco, minha gente.

Arre, que essa conversa já espichou muito. Vou ali lutar de verdade contra a tal hidra, afinal – assim como na história grega – matar esse bicho é tarefa para Hércules e o herói anda precisando de uma ajuda, pois tem outros onze trabalhos a fazer. Inclusive limpar os estábulos do reino, que estão tomados pelo mau odor dos excrementos morais.

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