Lula e Stalin, os deuses que falharam
Em “O homem que amava os cachorros”, o escritor cubano Leonardo Padura reconstrói a atmosfera de perseguição montada por Stalin, nas décadas de 1930-50, a Trostski e seus outros inimigos. A perseguição se dava no nível físico (espiões, policiais, caça-recompensas) e no moral, por meio de mentiras, intrigas, aleivosias e canalhices diversas. Stalin fazia ainda uso de cães intelectuais — em geral gente em busca de glórias efêmeras, como um prêmio ou um elogio — na desconstrução de seus adversários. Não vem à toa a admiração de Hitler pelo regime soviético: o nazismo fará uso de seus vira-latas provocadores (exemplo: a turma que avançou sobre Janaina Paschoal) e Stalin forjará o oportuno Inimigos do Povo (exemplo: a campanha contra ex-petistas como Fernando Gabeira e Luiza Erundina). O nazismo muito deve ao stalinismo (exemplo: Marilena Chauí difundir que Sérgio Moro é filhote do FBI e os SS digitais repercutirem a difamação).
Padura fornece ao leitor um retrato do clima policialesco criado por Stalin. São creditados nas costas de Trotski, mesmo exilado e banido, o poder de uma hipotética conspiração, a autoria de documentos apócrifos... Tudo balela. Cena construída para distrair os militantes dos reais motivos do desastre econômico perpetrado por Stalin e sua megalomania estatista. Depois, Stalin jamais foi marxista e só foi de esquerda (oportunista) até chegar ao poder (exemplo: nunca antes neste país...). Lá, usurpou o sonho de vários gerações. Muitos deram suas vidas por acreditar estarem defendendo a revolução e ainda lutaram contra o que julgavam ser o jogo da direita (exemplo: fazer vaquinha para pagar a multa do companheiro José Dirceu e depois carregar seu cadáver político, de boca fechada).
Os paralelos com a história política brasileira atual são assustadores. Padura recriou o Brasil clivado por ideologias de apostilas ao contar a história de Trostski e seu algoz, Ramón Mercader: as falsas informações plantadas na imprensa mundial (os amigos dos cães), os supostos complôs (olha o pré-sal aí, gente), com o objetivo de atiçar na militância ralé (a turminha do Facebook) um ódio contra o ex-dirigente da Revolução Russa, que passa a apupar sua biografia sem entender nada do riscado (exemplo: Trotski caiu ao propor uma plataforma econômica em interação com as forças do mercado. Stalin o satanizou. No poder, depois de ver seu barco estatal afundar, Stalin praticou... a política defendida por Trotski, de braço dado com o capital internacional. Você pode pensar em Dilma/Joaquim Levy e Lula/Henrique Meirelles e não estará errado). Vale lembrar também que a visão econômica de Stalin era identificada como sendo nazinacionalista. Stalin era o sonho de Hitler.
As mentiras urdidas por Stalin repercutiam facilmente. Os intelectuais se calavam. E quando ousavam... Foi o caso de André Gide, escritor francês e militante de esquerda. Após visitar a convite a União Soviética em 1936, percebeu a arapuca e denunciou o engodo. Afinal, acreditava, era seu dever alertar as forças de esquerda que Stalin era tão-somente um ditador, e nada tinha de progressista (o Brasil não conhece o Brasil...).
Pobre Gide. Até então, seu homossexualismo não fora um estorvo nas fileiras da Causa. Segundo os stalinistas, como se poderia acreditar num escritor que tinha o hábito de gostar de homens? Era traidor... e gay. Trinta anos depois e milhões de mortes, Kruschev repetiria o mesmo diagnóstico de Gide. Sabe, o que aconteceu? A ficha só caiu em 1989, quase 40 anos depois e outras milhares de mortes.Miguel De Almeida
Nenhum comentário:
Postar um comentário