Richard Moneygrand ministrou esse curso, definido como uma reflexão sobre os dilemas do individualismo moderno e as utopias nascidas dessa extremada valorização da parte sobre o todo. De um sistema no qual os elos entre homens e as coisas são mais importantes do que as relações dos homens entre si.
A democracia não resolve,
ela é uma tentativa de resolução
Lemos o clássico de Lewis Mumford, revisamos Platão, Thomas More e Fourier. Mas não esquecemos o Paraíso sem deixar de lado H. G. Wells, Kakfa, Aldous Huxley, Burgess, Orwell e os modernos arquitetos, os quais, como bons desenhistas, tentavam “solucionar” os erros de um sistema a ser redimido.
Fomos solicitados a falar das utopias de nossas sociedades. Um africano escreveu sobre as ideias de Kwame Nkrumah; um russo, sobre as utopias soviéticas; um francês, que sabia mais do que todos nós, abordou os escritos de Voltaire e Rousseau. Juan Porras y Porras, um mexicano aristocrático, exortou o que seria uma utopia caudilhesca para mostrar como os sistemas sociais fundados em elos pessoais seriam funcionais, caso não fossem atropelados pela modernidade do individualismo igualitário acasalado com a dominação burocrático-legal.
Coube, porém, a um par de colegas americanos a apresentação mais radical. Para eles, a “República” era a desmistificação das utopias. O humano seria movimentado por um equilíbrio instável entre crises de carência e abundância. A história era uma inútil busca terrena das idealizações que agravavam a sensação de erro (e da culpa) porque condicionavam a vida real (sempre contraditória) a códigos transcendentais feitos no céu, que nos tornavam devedores. As repúblicas democráticas e igualitárias voltadas para o mundo enfrentavam crises permanentes todos os dias. Nelas, tudo era crise, e a crise — frisavam — não era exceção, mas a realidade de suas perpétuas construções.
Jamais me esqueci deste trabalho que tenho plagiado ao longo de minha carreira. Os colegas americanos deram-me, num trabalho de semestre, uma diretriz para a vida.
Fomos solicitados a falar das utopias de nossas sociedades. Um africano escreveu sobre as ideias de Kwame Nkrumah; um russo, sobre as utopias soviéticas; um francês, que sabia mais do que todos nós, abordou os escritos de Voltaire e Rousseau. Juan Porras y Porras, um mexicano aristocrático, exortou o que seria uma utopia caudilhesca para mostrar como os sistemas sociais fundados em elos pessoais seriam funcionais, caso não fossem atropelados pela modernidade do individualismo igualitário acasalado com a dominação burocrático-legal.
Coube, porém, a um par de colegas americanos a apresentação mais radical. Para eles, a “República” era a desmistificação das utopias. O humano seria movimentado por um equilíbrio instável entre crises de carência e abundância. A história era uma inútil busca terrena das idealizações que agravavam a sensação de erro (e da culpa) porque condicionavam a vida real (sempre contraditória) a códigos transcendentais feitos no céu, que nos tornavam devedores. As repúblicas democráticas e igualitárias voltadas para o mundo enfrentavam crises permanentes todos os dias. Nelas, tudo era crise, e a crise — frisavam — não era exceção, mas a realidade de suas perpétuas construções.
Jamais me esqueci deste trabalho que tenho plagiado ao longo de minha carreira. Os colegas americanos deram-me, num trabalho de semestre, uma diretriz para a vida.
Hoje, estou certo de que o humano é defeituoso, carente e encrencado. As utopias são ingênuas compensações inventadas por uma Europa para sempre enredada num realismo cruel e numa redenção impossível. A crise era a nossa marca, e a República jamais seria um sistema estático, mas um modo de vida a ser permanentemente corrigido. Ela, entretanto, só poderia funcionar com bom senso, amparada por uma ética de honestidade. A democracia — se ainda me lembro da conclusão dos meus jovens colegas — não resolve, ela é uma tentativa de resolução.
Findo o curso, eu estava mais para Orwell do que Platão. Foi quando eu me lembrei do Brasil e do sempre lúcido e antiutópico Bandeira. O Manuel que, na sua arrebatadora simplicidade, abafa a fanfarronice ideológica corrente, sussurrava uma utopia tão real quanto profética:
“Vou-me embora pra Pasárgada/Lá sou amigo do rei/Lá tenho a mulher que eu quero/Na cama que escolherei.”
A esperança é que os “reis” segurem esses amigos que confundem parentesco com papéis públicos, andam de bicicleta, montam em burro brabo e continuam convencidos de que ainda podem venturosamente subir em pau de sebo!
Roberto DaMatta
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