O Rodrigo Janot, o Procurador-geral da República, empavonou-se, auto se proclamou justiceiro da moralidade. E isso não é bom para democracia, quando homens que representam os poderes começam a se digladiar para saber quem realmente é o arauto dos bons costumes, o responsável pela faxina ética do país. A Lava Jato, para quem o povo brasileiro bate palmas, precisa retornar o rumo da sobriedade para não ser acusada de espetacularização e irresponsabilidade.
O depoimento de um delator, por si só, não pode resultar na prisão de alguém. Corre-se o risco de se cometer injustiças e condenar por antecipação pessoas ainda investigadas. A medida coercitiva do Lula em São Paulo, por exemplo, foi um exagero, porque o ex-presidente na estava foragido e nunca se negou a depor quando convocado. O pedido da decretação preventiva de Renan, Sarney e Jucá também está na agenda da petulância e da arrogância da procuradoria geral. Tanto é que o STF, com bom senso, indeferiu o pedido a bem da harmonia dos poderes.
A delação em outros países, como nos Estados Unidos, é usada como complemento às investigações. As informações são checadas, apuradas e só então os nomes são revelados quando não existem mais dúvida sobre a participação do acusado nos crimes. Aqui, no Brasil, percebe-se que a delação virou um instrumento simples e prático para o criminoso suavizar suas condenações e guardar o dinheiro do crime, como um investimento financeiro, até se livrar da pena, muitas delas suaves e tranquilizadoras para quem roubou milhões dos cofres públicos.
As denúncias seletivas existem, algumas são reais. Exposto ao linchamento público, o cidadão muitas vezes não tem o direito de se defender porque, na verdade, não sabe nem do que é acusado. Em outros tempos, isso se chamava autoritarismo, regime de exceção, ditadura que suprimiu o habeas-corpus, em um ato de truculência, para manter na cadeia, sob tortura, aqueles que ousavam desafiar o regime. Os promotores mais jovens, que hoje vivem debruçados sobre as delações premiadas, talvez não tenham alcançado essa prepotência. São jovens que queimaram as pestanas em concurso para fazer carreira no serviço público, o que às vezes os deixam limitados a outras ciências.
O escritor italiano Pitigrilli (Dino Segre, 1893-1975) tinha um certo tédio por esses senhores da Justiça. Defendia a teoria de que se fossem competentes, como alardeiam, estariam ganhando muito dinheiro na iniciativa privada. Por isso, muitas vezes, tratam os advogados com desdém porque, no fundo, sentem-se frustrados por não ganhar a fortuna de alguns deles quando defendem seus clientes.
Ninguém, de sã consciência, pode negar o trabalho abnegado desses jovens procuradores como defensores da lei e guardiões dos cofres públicos. Mas o país não pode se submeter a ditadura do judiciário, quando pessoas indiscriminadamente são jogadas no pantanal da corrupção com base apenas na delação de um criminoso que precisa se safar das penas mais rigorosas. Do jeito que a coisa anda, dedo duro virou um grande negócio no Brasil.
O mais apavorante de tudo isso é que os nomes são jogados na mídia sem culpa formada. Ou seja: a imprensa brasileira já não apura notícias, não investiga. Ela se transformou em porta-voz de lobistas oficiais com outros interesses no mercado da notícia. Veja que coisa: quando você já viu o Jornal Nacional, por exemplo, abrir o seu noticiário no horário nobre para retificar uma informação, uma coisa saudável no bom jornalismo? É muito raro. É o jornalismo infalível, imperativo, por isso a Globo não se sente obrigada a se retratar.
Tanto na Polícia Federal como no Ministério Público investiga-se cada vez menos. As informações chegam de graça pelas mãos dos próprios criminosos que transformaram a delação em um grande mercado. Alguns até se antecipam as prisões para abrir o jogo, satisfazendo o ego de quem está à frente dos inquéritos. Os telefonemas como as gravações muitas vezes são editados de forma a envolver gente que, por um descuido, deixou escapar uma frase ou uma palavra comprometedora com o seu interlocutor.
O Poder Judiciário precisa ser mais cauteloso quanto aos grampos e as informações dos delatores, antes que voltemos aos tempos do arbítrio e da vigilância da liberdade tão comuns em regime autoritário.
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