terça-feira, 26 de abril de 2016

Quando vai ser o futuro?

O Cazuza cantava: “Brasil, mostra tua cara!”. É isso. Durante o show de horrores na votação do impeachment, pudemos ler a história do Brasil na cara dos políticos. Meu Deus, como são feios nossos “homens públicos”, como são inatuais, de mau gosto. Seus rostos e caretas demonstram como será difícil modernizar esta terra.

Charles Darwin tem um livro chamado “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais”. Ali estão catalogadas as expressões fisionômicas dos chimpanzés, dos cachorros e dos homens. São baseadas no “princípio da antítese”, nome que Darwin criou, explicando, por exemplo, que um cachorro expressa amor ao dono por uma mutação corporal, facial e “rabeal”, absolutamente negadora de qualquer agressividade, amolecendo as costas, abanando o rabo, babando em nossa mão. Mas Darwin não previu a cara dos políticos brasileiros.

O “princípio de antítese” dos nossos políticos, ao contrário, visa esconder o que sentem, pela negação de seus reais motivos. Assim, o canalha ostenta bondade, o ladrão apregoa honradez, o assassino, delicadeza.


Era assim, mas até isso está mudando. Assistindo ao desfile dos “cobras criadas” na Câmara, concluo que não apenas se perdeu a ideia de vergonha na cara, como ela foi substituída por um certo orgulho, um vago enlevo de ostentar a própria sordidez como um galardão. Antigamente, o canalha se escondia pelos cantos, roído de vergonha; hoje, ele apregoa, com uma tabuleta na testa: “Roubei sim, e daí?!”. A alma do negócio era o segredo. Hoje, espanta-nos a visibilidade dos estelionatos, conjugada à sublime ejaculação das mentiras.

Cada vez mais o feio domina o país tão bonito por natureza. Cada vez mais nos deparamos com o feio nas ruas alagadas, nas paisagens destruídas, na gente desesperada, ignorante, malpaga, com a miséria nos rostos, nas roupas, nos gestos, nos risos boçais.

Essas crises sem fim estão nos deformando física e psiquicamente. Não só por tragédias visíveis, como catástrofes naturais; vivemos a tragédia do nada, a tragédia do retrocesso que vai nos reduzindo a uma mera anomalia.

Durante o governo FHC, conseguimos atrelar um pouco o Brasil a uma política econômica mais contemporânea. Estava tudo pronto para a decolagem. Mas chegou a turma braba dos lixeiros do comunismo e segurou o avião antes de ele ganhar voo. A partir dessa “tomada do poder”, como eles chamam, o Brasil virou um flashback, um filme rebobinado. Tudo voltou ao banho-maria, tudo voltou ao pântano. Passaram a chamar os retrocessos que fizeram de “avanços sociais”. Analfabetos e intelectuais ainda acreditam nisso. O maior crime do PT foi ter se aliado, ou melhor, ter feito um conluio com a pior direita brasileira: Lenin-Sarney.

Os séculos de patrimonialismo que nos legou Portugal, tirando da sociedade a autonomia sobre si mesma, transformou-a em uma massa amorfa, melancólica.

Como uma compensação para a impotência, passamos a valorizar o fracasso como uma qualidade nobre. Os bons fracassam, e os maus vencem. O fracasso passou a ser nosso mantra, puxando lamentos como “a vaca foi para o brejo” ou “estamos à beira do abismo”. Sempre estivemos à beira do abismo. Sempre.

O que estamos vendo aí é o súbito florescimento de colônias de micróbios que já nos afetavam há séculos. Flores podres desabrocharam.

Tudo que está acontecendo hoje com espalhafato já acontecia silenciosamente, surdamente, nos últimos séculos. Os fatos estavam se gestando, se montando, prontos para irromper. A barragem agora se abriu. O que estamos vendo é um “maktub” caboclo – tudo estava escrito.

Esta crise que vivemos é inédita aqui. Já tivemos golpes militares, renúncias, tiros no peito, porres fugitivos. Eram crises mais agudas, mais óbvias, mais concretas.

Hoje não. Esta crise é uma grande areia movediça que vai afogando instituições, velhos pilares da República, se coagulando como uma pasta, um brejo de não-acontecimentos em que nossa vida afunda. A depressão econômica criou a depressão interna.

Mas, dizem os psicólogos, que sem depressão não há descobertas. Assim, já entendemos que a esperança por um “país do futuro” é uma forma de paralisia.

Esta crise é terrível porque é uma caricatura. É a crise do superficial, do inerte, da anestesia sem cirurgia. Era evitável, se não fossem os atuais micróbios no poder. Esta crise é uma anedota, é um pesadelo humorístico. Esta crise não é só política; é psiquiátrica. O mundo nos contempla como um país de trapalhões; não é catástrofe, guerra – é a esculhambação secular.

E como vamos sair dessa? Vem aí o impeachment, e, com ele, a pergunta angustiada: o que virá depois? Já vemos os sinais de discordância entre os prováveis novos “donos do poder”.

Como vai se tecer uma rede de tantos interesses conflitantes? Como conciliar olhos de rapina, focinhos de raposa, evangélicos de conveniência, coxinhas trêmulos, partidinhos de aluguel, cutistas radicais, militantes de propina, bandidos hipócritas e bandidos assumidos? Como desenhar essa constelação de egoísmos conflitantes? Como criar uma frente de salvação nacional como apregoam?

Como fazer uma coalizão para o bem do país com ideias divergentes e delirantes explodindo em todas as direções? Onde se encontrará o ponto de convergência entre tantos bichos diferentes? Quem vai ser o domador? O Temer? Santo Deus...

Agora, a nota de desespero, caro leitor: talvez nosso destino já esteja traçado – seremos assim no futuro, para sempre.

Em seguida, aqui vai também um postscriptum de otimismo: O Brasil evolui pelo que perde e não pelo que ganha. Sempre houve no país uma desmontagem contínua de ilusões históricas. Esse é nosso torto processo: com as ilusões perdidas, com a história em marcha a ré, estranhamente, andamos para a frente. O Brasil se descobre por subtração, não por soma. Mais do que crise, talvez isso tudo seja uma “mutação”.

A bruta desgraça está ficando visível, e talvez a melancolia dê lugar a uma indignação e, depois, a uma nova consciência.

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