Ainda assim, nenhum brasileiro de posse das faculdades mentais, capaz de raciocinar com clareza e lógica e bem informado tem o direito de reclamar do resultado da sessão histórica daquele domingo. Deputado não é eleito para falar bem nem para agradar a gregos e troianos, mas para representar a sociedade. É a essência da democracia representativa, aqui vigente. O regime é imperfeito, como tudo o que é humano, mas não se conhece outro melhor. Quem votou sim expressou, de forma quase exata aritmeticamente, a posição do cidadão que o elegeu. Mesmo não tendo alcançado na eleição o coeficiente eleitoral, que não é uma meta a ser atingida por nenhum candidato, mas o número pelo qual se habilita uma legenda ou coligação para ocupar as vagas na Casa, como estabelece a lei. Afirmar que só 34 receberam os votos equivalentes a esse coeficiente não é informação útil, mas engodo, que só pode nascer de má-fé ou ignorância: é desinformação.
Na verdade, os discursos que deveriam ser criticados, embora nem por isso desconsiderados, seriam os que manifestaram o legítimo direito de dissentir da maioria, votos vencidos por larga margem. Ao denunciarem um golpe inexistente, esses representantes do povo mentiram, tentaram confundir o eleitorado e inscreveram na História política um ato que negou seus discursos. Seus votos provaram que aquela sessão não correspondeu a uma conspiração golpista, pois avalizaram a decisão da maioria. Se aquilo era um golpe disfarçado, por que cargas d’água eles compareceram para votar não? É claro que o fizeram pela permanência do desgoverno zumbi. Como não conseguiram, legitimaram a decisão da maioria.
Tal legitimidade foi, de novo, confirmada pela principal propagadora da tese que a contesta. A presidente Dilma Rousseff levou 51 (e esta não foi a melhor ideia que teve na vida) convidados para ouvirem seu discurso na assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre clima. Foi uma viagem inócua, contraditória e dispendiosa para o contribuinte, que a pagou nesta situação de crise aguda. Se foi feita para denunciar o golpe no exterior, malogrou completamente. Na ONU, felizmente, Dilma fez um discurso protocolar, em que a imagem do Brasil não foi prejudicada, como o foram os dês dos gerúndios, que, mesmo lendo, madama não pronuncia, submetendo os ouvidos dos lusófonos a “andano”, “pedalano” e outros barbarismos similares.
Mas o súbito surto de lucidez da “chefa” do governo foi interrompido quando, à noite, após ter visitado uma exposição de Degas, deu, de pé, uma entrevista coletiva e repetiu, aos berros, suas ladainhas. É golpe, jurou de pés separados e uma vez mais. Assim, descreveu o Brasil como a sede da primeira interrupção brusca de uma democracia em que o substituto ocupa o posto na sua ausência para, depois, devolver-lho sem nenhuma quebra protocolar. Se tivesse sido golpeada, Dilma não teria mais uma vez transferido ao contribuinte o ônus de pagar US$ 100 mil pela desistência de permanecer em Manhattan, antecipando a volta em um dia.
Enquanto a presidente jurava novamente nunca haver delinquido na vida, em casa o noticiário dava conta de que sua inocência presumida e apregoada é ameaçada por inquéritos policiais que põem em dúvida sua lisura em vários episódios, conforme delações premiadas de ex-aliados de ocasião. Daniele Fontelles, publicitária da Pepper, relatou àIstoÉ histórias cabeludas da contabilidade de sua campanha, protagonizadas por seu “maçaneta”, Giles Azevedo. Segundo outra revista, a Época, a santidade do nome dela deixou de ser unanimidade nacional. Sua honra está sendo enxovalhada em relatos, que não parecem da carochinha, envolvendo o ex-marido Carlos Araújo e a sempre por ela protegida Erenice Guerra.
Ao invocar esses mantras, a presidente fez questão de lembrar que três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que a criticaram por insistir na tese do golpe, são minoria num plenário de 11. Não errou a conta, mas essa manifestação de menosprezo por um Poder autônomo não a ajudará em sua porfia para ficar no trono, contrariando, no mínimo, 61% dos brasileiros ouvidos em pesquisa, 71% dos deputados federais que autorizaram o impeachment e 59% dos senadores. Estes declararam publicamente apoio a sua retirada no placar do Estadão, contribuição histórica da imprensa livre à cidadania soberana, por informar a cada dia ao eleitor qual seria a posição de seus representantes na Câmara. E agora dos representantes dos Estados, na disputa no Senado.
Seu ânimo belicoso, que ajudou a levá-la à beira do abismo institucional, onde está no momento, inspirou-a a incluir, na mesma desastrada entrevista, entre os interessados no tal golpe a imprensa, que noticia a morte e prenuncia o sepultamento de seu desgoverno.
Urge ressaltar que ela também inovou, naquela ocasião, convocando Mercosul e Unasul a punirem o Brasil, caso se confirme a prenunciada pule de dez de sua deposição. É, na certa, o primeiro caso na História em que um governante pede sanções contra o país cujas instituições jurou não apenas cumprir e honrar, mas também defender. Ao investir contra a Constituição de 1988, Dilma reassume enfaticamente, aqui ou fora do País, antigas convicções de desapreço pela democracia burguesa, que não quis restaurar quando pegou em armas contra a ditadura militar, ao contrário do que diz. Em vez de respeitá-la, ela só tenta usá-la em defesa do pretenso direito, que se atribui, de violar a lei, o que lhe teria sido conferido pelo voto popular. Assim, age como delinquente que exige que se puna a vítima pelo crime dela.
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