terça-feira, 4 de agosto de 2015
Deu tudo errado
Terminava a década de cinquenta e a União Soviética empolgava a Humanidade, em especial a juventude. Os russos haviam lançado o Sputnik, primeira espaçonave da História a circundar o planeta. Depois, Yuri Gagárin descobria que a Terra era azul. Nikita Kruschev prometia que em poucos anos o mundo seria todo socialista, enquanto os primeiros foguetes americanos explodiam a poucas centenas de metros acima do solo. Entusiasmei-me, nos meus vinte anos, matriculando-me num curso de língua russa, idioma que em breve todos estariam falando.
Era repórter do Globo e passei a ser visto de viés por um dos irmãos Marinho, claro que não o dr. Roberto. Só que aquelas letras do alfabeto cirílico eram de tal maneira trocadas e confusas que não se passarem três meses até que desisti. Hoje, tantas décadas depois, pergunto-me se não deveria ter estudado chinês, ainda que supondo o mesmo resultado…
Essa historinha se conta a propósito do governo Dilma. De uns dias para cá ela se tem empenhado numa maratona de otimismo ululante. Reúne os governadores, oferece jantares para os dirigentes e líderes dos partidos que a apoiam, despacha ministros para dialogar com deputados e senadores, mobiliza as forças sindicais e tenta, de todas as formas, injetar otimismo numa nação quase posta em frangalhos. Promete que em breve o crescimento econômico será retomado, que a volta da inflação é um pesadelo inconsequente e o desemprego, mera ilusão dos derrotistas.
A presidente vive no limiar da frustração, sem percebê-lo, mas melhor que seja assim. Faria o quê, caso reconhecesse a derrota? Poderia precipitar a ebulição, antes que ela chegasse? Ou encontraria forças e bom senso para recomeçar no sentido oposto ao que vem percorrendo em sua bicicleta, de manhã bem cedo, ao pedalar pelos arredores do palácio da Alvorada, mais ou menos como um astronauta distribuindo bissextos acenos à garotada no rumo das escolas. Mais tarde, recebe ministros palacianos sem coragem de transmitir-lhe as más notícias do dia, para depois irritar-se com o noticiário dos jornais que teimam em desmentir suas previsões de um futuro brilhante para o país e seu governo. Vive a fantasia de estarmos apenas diante de dificuldades passageiras.
A gente se pergunta até onde irão os sonhos de Madame, se ela persiste em desmentir os postulados nos quais a população acreditou que cumpriria e por isso votou nela? É claro que também foi enganada, ou enganou-se, em função de o PT faltar-lhe na essência de um projeto desfeito nas brumas da corrupção. Ou será que desde o início desacreditava na capacidade de os companheiros mudarem o Brasil? De qualquer forma, sem o apoio deles e sem apoiá-los, entregou-se nos braços daqueles que passou a juventude combatendo, até de armas na mão. Tornou-se campeã das privatizações, da livre competição entre quantidades desiguais, da redução de direitos trabalhistas, da compressão salarial das massas, do lucro dos bancos, de maiores benefícios aos privilegiados e da inação diante do desemprego.
O resultado não demora muito e não há mais cursos de russo para ninguém matricular-se…
Carlos Chagas
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