quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Eleição

No fundo, todo radical quer o retorno da imobilidade aristocrática, escondida nas nomenclaturas

Sou fascinado pelo “período eleitoral”. Mudar é complicado em qualquer lugar, mas é um drama nas sociedades que combinaram escravidão africana com uma aristocracia branca eurocentrada e católica no campo da política e dos hábitos sociais. No Brasil, a hierarquia das boas maneiras impediu o civismo e derivou num esquerdismo salvacionista, curiosamente cristão.

Esse cenário talvez explique a ideia de que a política é o lugar do vale-tudo — exceto perder ou “cair”. Como se o poder fosse uma montanha onde sobem os eleitos, quando o que precisamos é de um estado a serviço da sociedade. É poder demandar mais responsabilidade e transparência do que arrogância e a familiar má-fé, cuja santidade não conhece erros.

Como instituir uma sociedade igualitária tendo como ponto de partida o legado desumano de uma escravidão abençoada? Dessa matriz vem a confusão entre o ator-candidato e o cargo público. A confusão entre pessoa e papel é o mecanismo fundamental tanto da dominação patrimonialista-familística (a lei é relativa aos amigos) quando da carismática (X ou Y é santo e talhado para o cargo), dificultando a dominação burocrática (a regra da lei para todos) porque, sem regras fixas, as instituições não funcionam e estados-nacionais não conseguem prover educação, saúde e segurança aos seus cidadãos.

Não é apenas uma questão de programa, mas de como administrar. De como passar de “governo” (que pode esbanjar e roubar) a gerenciamento público (que tem o dever de ser eficiente). Mas sem honrar as demandas éticas dos cargos públicos que não pertencem nem ao ator nem ao seu partido, jamais iremos controlar os aparelhamentos e as impunidades com as quais estamos entalados.

O jogo entre pessoas e papéis é a base da eleição como o ritual político mais importante nas democracias liberais e competitivas — esses sistemas abertos até mesmo a candidatos cuja proposta é liquidá-los. No fundo, todo radical quer o retorno da imobilidade aristocrática, escondida nas nomenclaturas. Esse é o paradoxo político do radicalismo moderno. Ele inventou a liberdade individual que empreende, mas rejeita a sua criatividade sem controle. E odeia discipliná-la por meio de consenso.

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