quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A inclusão é uma mentira que continuamos a contar

O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, assinalado a 3 de dezembro, surge todos os anos como um lembrete daquilo que ainda não conseguimos ser enquanto sociedade: verdadeiramente inclusivos. Embora Portugal tenha avançado em legislação, estratégias públicas e discursos institucionais, continua a existir um abismo entre a norma escrita e a realidade de quem vive com uma deficiência. E esse abismo mede-se diariamente, nos transportes, nas escolas, nos locais de trabalho e até na forma como a diferença é percebida socialmente.

O grande equívoco contemporâneo é acreditar que a inclusão se alcança apenas com boas intenções. As intenções podem sensibilizar, mas não removem escadas, não garantem intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, não criam materiais acessíveis, não formam profissionais, nem transformam mentalidades. Inclusão exige investimento, exige planeamento e exige, sobretudo, desconforto, o de reconhecer que a exclusão é estrutural e que todos participamos, de alguma forma, na sua manutenção.


Ainda hoje, muitas pessoas com deficiência são tratadas como “casos especiais”, como exceções que obrigam a adaptações que se entendem como um favor, e não como um direito. Esta perceção reduz as pessoas à sua limitação e ignora as inúmeras barreiras criadas por uma sociedade construída para um padrão único, um corpo idealizado, um ritmo considerado “normal”, uma forma de comunicação dominante. As barreiras não estão nas pessoas, estão nos sistemas que não se adaptam à diversidade humana.

Quando falamos de acessibilidade, falamos também de dignidade. Fala-se de poder ir a um concerto sem depender de terceiros, de conseguir estudar em igualdade de oportunidades, de entrar num edifício público sem constrangimentos, de participar plenamente na economia e na vida cultural. A acessibilidade não é um luxo, é uma ferramenta fundamental de cidadania, mas, infelizmente, continua a ser vista como um custo ou um obstáculo burocrático.

A verdade é que uma sociedade mais acessível não beneficia apenas as pessoas com deficiência, beneficia também crianças, idosos, pais com carrinhos de bebé, pessoas temporariamente lesionadas, beneficia-nos a todos. A inclusão não é um nicho, é um projeto coletivo.

Mas para que este dia deixe de ser apenas simbólico, é necessário ir mais longe. Precisamos de políticas que garantam a implementação efetiva de condições de acessibilidade, precisamos de escolas preparadas para acolher todas as crianças, independentemente das suas necessidades, precisamos de emprego que valorize competências e não estigmas, precisamos de meios de comunicação que representem a deficiência para lá do paternalismo ou da superação extraordinária. Precisamos, sobretudo, de ouvir quem vive a realidade da deficiência e de integrar essa voz na decisão política, na criação de soluções e no desenho das cidades.

A mudança não depende apenas do Estado, depende das empresas que escolhem contratar, das instituições que repensam os seus espaços e dos cidadãos que exigem condições equitativas para todos. Em suma, depende da consciência individual e do compromisso coletivo.

O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência deve servir para recordar isto mesmo, não celebramos a deficiência, celebramos a luta por uma sociedade que reconheça, respeite e acolha todas as formas de existência humana. Uma sociedade onde a diferença não seja tolerada, mas valorizada.

A verdadeira inclusão será alcançada no dia em que esta data deixar de ser necessária. Até lá, cabe-nos transformar sensibilização em ação.

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