A pergunta-base é se se acha que os imigrantes devem adaptar-se aos costumes do país para onde vêm, mas a análise de Guenther vai muito mais além.
O cientista verifica que há um alinhamento muito razoável entre os políticos e o eleitorado nas questões económicas, de impostos ou intervenção do Estado, mas uma distância muito significativa em temas como imigração e justiça criminal.
Guenther conclui que foi através dessa falha entre eleitores e representantes que a extrema-direita populista se instalou.
Com a exceção da Dinamarca, a tal diferença de visão dos problemas da imigração e da integração entre os políticos, digamos, clássicos e o público varia pouco de país para país. Portugal, porém, destaca-se: nós somos um dos países em que essa falha é mais pronunciada.
Dando assim como boa a referida tese, está encontrada a razão do tão rápido crescimento da nossa extrema-direita e tudo leva a crer que não fique por aqui. Aliás, eram poucos os que desconheciam que sentimentos que o Chega agora exprime estavam presentes na nossa comunidade e que apenas precisavam de quem os corporizasse.
A tese dominante é simples e o autor do artigo do FT parece defendê-la: os políticos do centro-direita e do centro-esquerda têm de se aproximar das convicções dos eleitores nos temas da imigração e da integração.
Há, no entanto, algumas questões prévias que quem defende esta posição se esquece frequentemente de abordar: as convicções que as pessoas têm sobre imigração partem de factos? Como chegaram a elas?
Falo do meu país. Não há outra forma de o dizer: todo o discurso sobre imigração que a extrema-direita berra e que, pelos vistos, vai de encontro às convicções de uma grande franja da população é uma descabelada mentira.
Nunca houve uma política de portas escancaradas; os imigrantes vieram porque deles dependem em larguíssima medida o nosso crescimento económico, a Segurança Social e as contas públicas; o nosso país pararia se os imigrantes se fossem embora e o facto é que precisamos de mais; os imigrantes geram emprego e não tiram emprego, na verdade nunca tivemos tanta gente empregada e não há desemprego; não há qualquer acréscimo de crime, pelo contrário: a imigração económica vem para trabalhar; não há qualquer problema de integração, já que os imigrantes respeitam a nossa Constituição e as nossas leis; a crise de habitação que atravessamos resulta de péssimas políticas públicas e não da vinda de imigrantes, basta pensar que se a economia exige que pessoas trabalhem, seriam estas ou outras. Por fim, é também mentira que os imigrantes causem pressão para baixo nos salários; ao preencher empregos que não seriam ocupados de outra forma, a imigração leva é a que os empregos mais qualificados sejam mais bem remunerados e com isso aos aumentos do salário médio no nosso país.
Sei bem que a lista é longa, mas ficaram outros factos por elencar. Contra eles contrapõem-se sensações, perceções, preconceitos. Não duvido de que ver gente na rua com roupas, religiões, cores e cheiros diferentes acorda o nosso irracional medo do desconhecido, do diferente – sendo que em Portugal 70% da imigração é de gente com a nossa raiz cultural e fala a nossa língua – e isso, claro, tem impacto.
Como se chega ao ponto de as pessoas se deixarem guiar por mentiras não cabe em milhões de páginas. Diga-se que não é novidade, a história da Humanidade é uma sucessão de episódios onde a mentira venceu a verdade com as consequências que daí advieram.
Há fenómenos de sempre: queremos razões diretas e facilmente percetíveis para explicar o nosso descontentamento, o medo do diferente. Claro que agora temos as redes sociais que não só permitem a rápida disseminação de mentiras, como substituíram todo o tipo de mediação, até a científica. É verdade que a extrema-direita financiada pelos novos donos do mundo teria sempre uma enorme vantagem sobre os defensores da democracia, mas ninguém duvide que custa mais explicar a verdade em problemas complexos do que contar uma mentira que vá de encontro aos nossos instintos básicos.
Em Portugal, o PS (que assobia para o lado) e principalmente o PSD mais não têm feito do que alimentar isso. E, dada a evolução do Chega, parece que não resulta. O original é sempre melhor do que a imitação.
Voltemos então à tese de que, no fundo, o melhor para parar o crescimento das forças antidemocráticas é alinhar em mentiras, perceções erradas, sensações e preconceitos. No fundo, e dando-a como bem-intencionada, defende-se que a melhor forma de parar a extrema-direita e o que ela fará à democracia se tomar o poder é comprar o seu discurso e as suas medidas nas questões culturais, sobretudo na imigração.
As grandes questões contra essa linha são pragmáticas e sobretudo éticas.
Uma política que se baseie em dados falsos nunca terá bom resultado. É, por definição, um contrassenso. Exemplo: querer integrar imigrantes e proibir a vinda das suas famílias obviamente não promove a integração. E, claro, compromete objetivos mais vastos, como dar uma melhor vida às populações: bloquear a imigração produzirá uma crise económica.
Até onde iremos se deixarmos que a mentira seja base para a decisão política? É um caminho sem fim. A aceitação da mentira como pressuposto viável para a implementação de políticas públicas tornará a nossa comunidade dependente de quem melhor conseguir espalhar mentiras, quaisquer que sejam os objetivos que os seus promotores queiram prosseguir. Melhor, tem um fim: a total descredibilização do poder democrático e o fim completo da confiança nos eleitos.
A mais importante guerra que as democracias hoje têm de travar é a da verdade. Tudo o que acontecer no futuro nas nossas comunidades depende dela.

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