domingo, 28 de setembro de 2025

Um chamado ao mundo diante do genocídio e das contradições do poder global

O planeta vive um ponto de fratura histórica. Em Gaza, centenas de milhares de pessoas jazem sob os escombros de um massacre transmitido ao vivo. Crianças morrem antes mesmo de pronunciarem seus nomes, hospitais se transformam em covas coletivas, escolas em alvos militares. Já não se trata apenas de geopolítica: trata-se da sobrevivência mínima da dignidade humana. Cada silêncio, cada hesitação, é cumplicidade. Não há neutralidade possível diante do genocídio.

É neste contexto que se impõe a necessidade de uma ação internacional direta: flotilhas humanitárias escoltadas por estruturas legítimas de proteção, capazes de abrir corredores para levar pão, remédios, água potável e esperança a uma população sitiada. Não é ingerência. Não é afronta à soberania. É solidariedade prática, é direito universal à vida. O “nunca mais” que ecoou após Auschwitz não pode morrer em Gaza.

Mas a luta não se encerra na Faixa sitiada. O que se vê no Oriente Médio e na Palestina revela as fissuras mais profundas de um sistema internacional em disputa. O Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, insiste em bombardear, sancionar e subjugar povos inteiros em nome de uma democracia esvaziada de conteúdo. Já os novos polos emergentes, reunidos nos BRICS, prometem uma alternativa. Mas que alternativa é essa?


O Irã, parte desse bloco, ergue-se como voz contra o imperialismo ocidental, mas internamente mantém uma ordem que oprime mulheres, sufoca dissidências e reprime a juventude que clama por liberdade. Como falar de dignidade global se metade de sua população vive sob um regime de vigilância e punição moral?

A China, gigante econômico que hoje sustenta quase 20% do PIB global, apresenta-se como esperança de um mundo multipolar. Mas nos seus parques industriais floresce o “996”: jornadas de 9h às 21h, seis dias por semana. Uma rotina que arranca da carne e da mente dos trabalhadores toda energia vital. Uma ordem global fundada sobre a exaustão humana pode ser alternativa? Ou é apenas mais um espelho invertido do mesmo inferno capitalista?

A Índia, celebrada como democracia vibrante, convive com a permanência de castas, a exploração infantil e a escravidão moderna de milhões. Qual a legitimidade de um Sul que não protege os seus, mas perpetua servidões ancestrais?

E mesmo dentro do Brasil, que poderia liderar um caminho emancipatório, ainda se naturalizam desigualdades raciais, devastação ambiental e a exploração brutal da força de trabalho. O que temos a oferecer ao mundo se não somos capazes de proteger nossos próprios povos originários, negros, mulheres, trabalhadores e trabalhadoras?

O desafio, portanto, é este: não basta trocar o eixo de dominação. Uma nova ordem mundial que apenas substitui Washington por Pequim, ou Bruxelas por Teerã, não é alternativa, mas sim continuidade da barbárie. O que o planeta exige é uma ruptura ética: colocar no centro a vida, o descanso, a saúde mental, a igualdade de gênero, a justiça social, a infância protegida. Uma ordem fundada não no lucro ou na lógica de poder, mas na dignidade universal.

É aqui que a imagem das flotilhas humanitárias ganha força simbólica. São mais do que navios carregando pão e remédio: são embarcações que desafiam a lógica do império e do mercado, são a materialização de uma desobediência civil planetária. Se os Estados negam corredores, os povos abrirão caminhos pelo mar. Se a diplomacia falha, a solidariedade se fará em ondas.

O século XXI está sendo escrito diante de nossos olhos. Ou teremos coragem de enfrentar as contradições – inclusive as que habitam dentro dos nossos aliados estratégicos – ou seremos engolidos por uma multipolaridade cínica, que multiplica apenas a dor. O chamado é urgente: erguer flotilhas pela vida, pela dignidade, pela humanidade. Porque a neutralidade já não é possível. Ou navegamos rumo à esperança, ou afundaremos juntos na barbárie.
Flaviano Corrêa Cardoso

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