A Folha lembrou das rusgas entre Brasil e EUA por causa de softwares e computadores nos anos 1980. O país protegia seu mercado dos produtos estadunidenses ao mesmo tempo que incentivava o desenvolvimento de uma indústria nacional. Aos moldes do que fizeram China e Japão, fabricava softwares copiando a tecnologia dos EUA.
Como resposta, Ronald Reagan ameaçou aplicar uma sobretaxa de 100% sobre produtos brasileiros. A lista incluía madeira, ferro, equipamentos telefônicos e aviões. Sarney cedeu. O Brasil permitiu a comercialização dos produtos da Microsoft e flexibilizou sua política de informática. As sanções foram suspensas. Nossa indústria naufragou e nossa dependência externa reflete-se nos R$ 10 bilhões gastos com big techs em 2024.
Nos anos 1990, o neoliberalismo era mais que uma moda, era uma ordem ideológica. Economistas, jornais e políticos vibravam com as privatizações e a reorganização do Estado promovida por FHC no Brasil e que se estendia a maioria dos países da América Latina.
Todos seguiam as diretrizes do Consenso de Washington, que impunha ajustes estruturais, cortes de gastos sociais e abertura de mercado para liberar empréstimos. Precisa de dinheiro? Só adotando nossas políticas. Esse era o subtexto do FMI. “O que está sendo vendido como ajuda econômica é, na verdade, uma forma altamente sofisticada de chantagem econômica. A ‘ajuda’ do FMI vem sempre com um preço — e esse preço é o sacrifício da soberania econômica”. escreveu Naomi Klein em a Doutrina do Choque.
Ou como vaticinou o geógrafo David Harvey, “O neoliberalismo não destrói o Estado — o redesenha como instrumento de classe.” Não é coincidência a primeira experiência neoliberal ter ocorrido durante a ditadura de Augusto Pinochet entre os anos de 1973-1990 no Chile.
Há as chantagens evidentes e irracionais de Trump, há as ideológicas e racionais do neoliberalismo. E há as chantagens da rotina, que nos colocam em um labirinto sem saída. Somos submetidos aos mecanismos psicológicos, burocráticos e existenciais tal qual Josef K., o protagonista de “O Processo” de Franz Kafka. Nós normalizamos as opressões e somos cúmplices indiretos delas.

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