sábado, 2 de agosto de 2025

Como enfrentar um predador

“Para ser livre é preciso ser temido”, disse Emmanuel Macron, criticando o acordo que a União Europeia assinou com Donald Trump.

O presidente francês errou. São vários os países livres que ninguém teme — e o mundo andaria melhor se fossem todos assim. A Costa Rica, por exemplo, aboliu o seu Exército em 1948. É um país democrático, estável, e não aterroriza ninguém. O mesmo se pode dizer de Canadá, Botswana, Namíbia, Cabo Verde, Timor Leste ou Nova Zelândia, nações independentes, com democracias sólidas, e nenhum histórico de ameaça contra quem quer que seja.

Mesmo errado, Macron acertou no essencial — não se negocia com alguém como Donald Trump baixando a cabeça. Ao ajoelhar-se diante do atual presidente americano, Ursula von der Leyen protagonizou um espetáculo deprimente, que envergonha os europeus, e todos aqueles que acreditam na democracia.

A Europa não assinou apenas um mau acordo econômico. Fez pior: assinou uma proclamação de irrelevância política e diplomática.

Nas últimas décadas, a União Europeia esforçou-se por construir uma imagem de sucesso econômico, de consciência moral da Humanidade, de campeã da civilização, da democracia e dos direitos humanos. Ao capitular diante de Donald Trump — um protoditador rude, abjecto, repugnante —, a Europa humilhou-se e apequenou-se. Levará tempo a reerguer-se.

O presidente Lula está certo ao enfrentar Trump. A reação americana — uma longa lista de isenções às taxas — confirma aquilo que me ensinou, há muitos anos, um guarda-florestal no Krueger Park, na África do Sul: não se foge de um leão. O melhor é enfrentá-lo de pé, olhando-o nos olhos, e erguendo os braços.

Resulta sempre? Não. Por vezes o leão é corajoso — ou está esfomeado (temam a bravura dos famintos). Fugir, porém, é que nunca resulta.

Lula continuaria estando certo, mesmo que o leão o devorasse. Por vezes, somos forçados a sentar-nos à mesa com pessoas desagradáveis — crápulas, déspotas, pedófilos, terroristas —, e negociar. Nesses casos, há que manter a cabeça erguida, preservando a dignidade. Também me parece importante cultivar a memória. No fim, por uma questão de higiene, convém lavar as mãos.

Segundo o jornalista Jack Nicas, que na quarta-feira passada assinou uma entrevista de Lula da Silva publicada no New York Times, “talvez não exista um líder mundial desafiando o presidente Trump com tanta veemência quanto Lula.”

Trump escolheu o presidente brasileiro como alvo. Como, ao contrário de Ursula von der Leyen, Lula não se dobrou, eis que, mal ou bem, o mundo o começa a perceber como um gigante. Tempos tumultuosos e incertos, como aquele que estamos atravessando, demandam heróis.

Inadvertidamente, o antagonista criou o protagonista.

A História — uma velha senhora caprichosa e insubmissa — julgará não apenas os monstros, mas também aqueles que os adularam, os que se dobraram diante deles, os que procuraram justificá-los. E saberá exalar quem lhes fez frente.

José Eduardo Agualusa

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