Hoje, porém, surge uma interrogação inevitável: que será deste modelo milenar de ensino quando qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode aceder instantaneamente a vastas quantidades de informação, conversando com sistemas de inteligência artificial (IA) que emulam o saber humano?
De acordo com Seldon e colegas (The Fourth Education Revolution, University of Buckingham Press, 2018), vivemos agora a quarta revolução educacional: aquela em que a transmissão de conhecimentos deixa de ser monopólio exclusivo dos seres humanos, mas passa a ter a IA como parceira. Desta forma, assistimos, e vivemos, a uma rutura histórica naquilo a que respeita o milenar processo de educação, ensino, formação e capacitação.
Pela primeira vez, os “mestres”, os professores, deixaram de ser os únicos mediadores entre o saber e os “aprendizes”, os estudantes. Se a Internet democratizou o acesso ao conhecimento nas últimas três décadas, no presente a IA passou a converter esse conhecimento em explicações personalizadas, diálogos pedagógicos e sugestões para aprendizagem contínua. Em teoria, todos os estudantes dispõem agora de um tutor, não humano, totalmente disponível 24 horas por dia.
Dessa forma, uma das grandes questões do presente naquilo a que respeita o processo de ensino é: e agora? A resposta está longe de ser evidente, mas de acordo com os mesmos autores, esta revolução não elimina a necessidade do professor humano: apenas redefine o seu papel.
Num mundo em que a informação é ubíqua e gratuita, formar significa cultivar pensamento crítico, discernimento e vontade de evoluir. Por isso, a partir de agora, ao professor não basta o papel de expor informação: o seu papel principal passa a ser o de ajudar a interpretar, contextualizar e avaliar de forma justa. Daqui em diante, a literacia que importa, aquela onde o professor continua a ser peça fundamental, é no ensino da literacia crítica — saber que perguntas fazer, como validar fontes, como identificar erros e resistir à manipulação de informação.
Mas mais ainda: o processo de aprendizagem não se reduz a conteúdos. Inclui práticas, valores e convivência. O professor continua insubstituível como modelo humano: quem inspira, escuta, desafia. A IA pode resolver uma equação ou resumir um texto, mas não substitui a empatia, a ética, o estímulo à curiosidade, ou o modelo inspiracional que sempre os melhores professores foram para os seus estudantes.
Por isso o acesso livre à informação e à IA pode tornar-se aliado pedagógico poderoso, se integrado numa redefinição daquilo que é o papel do professor no atual contexto tecnológico. A IA personaliza ritmos de aprendizagem, acompanha quem tem dificuldades, sugere novas abordagens. Ao professor caberá, com esta nova ferramenta, reconfigurar o espaço educativo: mais do que um simples orador num palco, torna-se mentor, facilitador, curador de percursos e modelo inspiracional.
Estamos, pois, diante de uma encruzilhada. Se nos limitarmos a reproduzir modelos do passado, a IA tornará obsoleto o ensino tradicional. Mas, se conseguirmos reinventar o ato de ensinar, o futuro do ensino poderá ser mais inclusivo, mais abrangente e mais eficiente. Afinal, ensinar nunca foi apenas transmitir: na verdade sempre foi, sobretudo, inspirar pessoas abrindo-lhes novos caminhos.
Rogério Colaço
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