segunda-feira, 9 de junho de 2025

Quando os números começam a contar outra história

Mesmo ainda vivendo um ciclo de instabilidades, desigualdades agravadas e crises políticas, o Brasil passa a mostrar, a cada dia, sinais de reconstrução. A economia surpreende positivamente, indicadores sociais apresentam avanços e dados internacionais revelam uma melhora — ainda tímida, mas significativa — na percepção de bem-estar da população. No entanto, esse movimento não é uniforme nem livre de contradições. É justamente na tensão entre os números e a experiência cotidiana que reside o desafio de compreender o país em transformação.

Em 2023, o Brasil subiu cinco posições no ranking global do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), atingindo 0,786 — o maior valor desde 2010. O avanço em longevidade, educação e renda colocou o país na 84ª posição entre as nações avaliadas. Esse salto pode parecer modesto, mas é suficiente para reposicionar o país entre as economias de alto desenvolvimento, influenciando decisões de negócios, investimentos e políticas públicas. Ao mesmo tempo, a taxa média de desemprego caiu para 6,6% em 2024, o menor patamar desde o início da série histórica do IBGE. A economia cresceu 3,4%, e o Brasil voltou a figurar entre as dez maiores economias do mundo. Para 2025, a projeção é de mais 2,4% de crescimento.


Esses dados, embora animadores, não esgotam a realidade. O crescimento precisa ser analisado à luz de uma pergunta essencial: a serviço de quem — e de quê — ele está? Desenvolvimento econômico não é sinônimo automático de progresso humano. Só faz sentido se for capaz de ampliar oportunidades, restaurar vínculos, garantir dignidade e criar condições para que as pessoas vivam com mais propósito e menos medo.

Nesse ponto, o Brasil se vê atravessado por forças opostas. Se, por um lado, os dados apontam avanços, por outro, o ambiente social e digital — muitas vezes alimentado por lideranças políticas — tem promovido uma cultura de medo, desesperança, intolerância e ansiedade coletiva. O uso sistemático das redes sociais como campo de batalha ideológica gera ruídos que afetam diretamente a saúde mental da população, distorcendo percepções e obscurecendo conquistas reais.

Ainda assim, o brasileiro tem demonstrado uma resiliência surpreendente. Segundo o World Happiness Report, o país ocupa hoje a 36ª colocação entre 147 nações, com nota 6,27 — uma melhora em relação aos anos anteriores, embora ainda distante dos níveis observados em 2012. O relatório avalia dimensões como apoio social, renda, saúde, liberdade e generosidade. É um sinal de que, apesar d



as adversidades, a sensação de bem-estar pode estar começando a se recuperar. 

Essa recuperação não deve ser lida como otimismo ingênuo, mas como um campo fértil para políticas públicas mais sensíveis às necessidades reais da população. A terceira onda da Psicologia Positiva tem se debruçado justamente sobre essa complexidade: não se trata apenas de buscar felicidade individual, mas de promover o florescimento humano como fenômeno social — que depende de uma trama complexa de acesso à saúde, justiça, liberdade, vínculos afetivos, reconhecimento e condições materiais mínimas para viver com dignidade.

Mais do que indicadores econômicos, precisamos de métricas que revelem o quanto a vida está, de fato, melhorando — no cotidiano das pessoas, nas relações que constroem, na perspectiva de futuro que alimentam. A ideia de bem viver passa a integrar o debate sobre desenvolvimento. E isso exige um novo tipo de economia: uma que não se esgote no crescimento do PIB, mas que se comprometa com a dignidade humana, o fortalecimento do tecido social, da confiança coletiva e da sustentabilidade do planeta.

Viver bem é mais do que ter. É poder ser. Ter tempo, autonomia, segurança, cuidado. É ter voz, pertencimento e espaço para imaginar futuros — algo que não se constrói apenas com políticas de mercado, mas com políticas de Estado voltadas à reconstrução do pacto social.

O Brasil não virou o país mais perfeito do mundo. Nenhuma potência, aliás, pode se arrogar esse posto. Estados Unidos e China, embora liderem em crescimento e influência, enfrentam sérios desafios em saúde mental, desigualdade e bem-estar subjetivo, sem compromissos claros com uma cultura de paz.

A diferença está em reconhecer que o futuro das nações não pode ser medido apenas por sua força econômica — mas pela capacidade de construir sociedades mais humanas, mais equilibradas e que ofereçam à sua população condições de bem viver para todos, sem nenhum tipo de distinção.

Para ser mais feliz, o Brasil precisa continuar reconstruindo com coragem e propósito. Isso passa por educação crítica, saúde integral, cidades que cuidam, políticas públicas voltadas ao florescimento coletivo e uma economia que respeite o tempo das pessoas e os limites do planeta. Passa por escuta, diversidade e por uma visão de país em que o crescimento seja o meio — e o bem viver, o verdadeiro fim.
Rodrigo de Aquino 

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