domingo, 29 de junho de 2025

Quando a extrema-direita impera: silêncio e medo

Há algo de profundamente inquietante no fato de estarmos, pouco a pouco, nos acostumando com o avanço da extrema-direita pelo mundo. Não apenas com seus discursos de ódio, seus ataques sistemáticos à cultura, às minorias, às instituições democráticas — mas com a normalização de tudo isso.

Um vídeo recente, que circulou nas redes sociais, expôs de forma crua esse cenário. Mostrava como a extrema-direita, antes tratada como um fenômeno marginal e folclórico, se infiltrou silenciosamente nas estruturas do poder. Ela domina o debate público, não mais à margem, mas no centro. De repente, passamos a ouvir, sem espanto, vozes que relativizam a tortura, que atacam artistas, que reduzem o ensino crítico à “doutrinação”. O absurdo virou argumento. O intolerável virou opinião.


No Brasil, vivemos isso de forma trágica e explícita. A extrema-direita se apropriou dos símbolos nacionais — a bandeira, a camisa da seleção, o hino — como se fossem sua propriedade exclusiva. Usaram a linguagem da fé para justificar a violência, confundiram liberdade de expressão com licença para o ódio. O bolsonarismo, mesmo fora da presidência, segue ditando o tom, ameaçando as instituições, hostilizando jornalistas, artistas, professores.

Em Portugal e na Europa, a ascensão da extrema-direita também não dá trégua. Partidos como o Chega, em Portugal, e o Vox, na Espanha, crescem à sombra do descontentamento e da manipulação. Em países que sofreram com o fascismo, a ultradireita volta a ganhar espaço — e, pior, a parecer aceitável. Vemos o mesmo roteiro: a cultura como inimiga, os imigrantes como bode expiatório, a educação como ameaça, a arte como algo a ser policiado.

Recentemente, em Lisboa, um ator foi agredido durante uma apresentação no tradicional Teatro Barraca. O ataque, embora pontual, carrega o símbolo de algo maior: a hostilidade crescente ao pensamento livre, ao fazer artístico, ao direito de criar. Como disse a fundadora do teatro, Maria do Céu Guerra, “a extrema-direita já não se envergonha. Vem ao teatro, e agride”. Não se esconde mais. Não teme mais.

Mas talvez o mais perigoso não seja o grito dessa força autoritária — é o silêncio que a cerca. O medo de se posicionar. A hesitação disfarçada de neutralidade. A conivência que se esconde sob o argumento do “equilíbrio”. Afinal, quantos se calam para não perder seguidores, contratos, benesses? Quantos preferem não ver para não se incomodar?

Quando a extrema-direita impera, ela não precisa mais gritar. Já gritou o suficiente. Agora, fala manso, com slogans de marketing, com estética limpa, com promessas de ordem.

Disfarça a censura com a palavra “moral”. Troca livros por armas. Troca a liberdade por controle. E quanto mais avança, mais difícil parece resistir. Mas é justamente aí que resistir se torna urgente.

Porque o que está em jogo não é uma diferença de opinião. É um projeto de mundo. E a pergunta que se impõe, a cada dia, é: de que lado da história vamos escolher estar — mesmo quando o preço for alto, mesmo quando o aplauso for escasso?

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