O ataque terrorista do Hamas contra israelitas e pessoas de diversas nacionalidades, a 7 de outubro de 2023, e do qual resultaram mais de 1200 mortos e 251 reféns, foi o pretexto de que Netanyahu apoiado pelos extremistas de direita precisava para iniciar o projeto de aniquilar os palestinianos do enclave.
Aliás, o projeto passa por expulsar todos os palestinianos da sua terra, mesmo na Cisjordânia, para que Israel possa apossar-se da totalidade do território, como se vê pela política dos colonatos judeus. À intenção já antes manifestada de Israel expulsar o povo palestiniano de Gaza – talvez para oferecer a Trump e à trupe que o acompanha a tal “Riviera” – acresce a ameaça de anexar partes da Cisjordânia caso a comunidade internacional prossiga na intenção de reconhecer o estado da Palestina.
A louca fuga em frente do primeiro-ministro israelita assenta em duas razões essenciais. Primeiro, a tentativa de Netanyahu escapar à prisão, devido a uma eventual condenação por corrupção, e também para manter de pé o apoio da extrema-direita religiosa que sustenta o governo. O primeiro-ministro mostra não estar minimamente interessado em negociar a libertação dos reféns que estão nas mãos do Hamas, ao contrário do que diz.
Apesar de tudo, é claro que a sociedade americana mantém uma simpatia muito especial por Israel, não só devido à influência judaica nos EUA mas sobretudo nos meios cristãos devido a uma teologia abstrusa. A ideia é que aquela terra foi dada por Deus aos descendentes de Abraão, por isso aceitam com alguma naturalidade a expulsão dos palestinianos da sua terra – que, afinal, não é deles, segundo esta visão – ou mesmo o seu extermínio. Mas incorrem em dois erros de análise básicos.
Desde logo, os antigos israelitas interpretaram o exílio babilónico, a perda de soberania para outros povos ao longo da sua história e a dispersão pelo mundo como castigo de Deus devido à sua desobediência. Ora, se o Deus de Abraão estabeleceu com ele uma aliança, ela implica direitos e deveres. Partindo do princípio de que Deus não falha, os israelitas é que falharam repetidamente para com Deus rasgando assim o antigo pacto com Abraão.
Em segundo lugar já não vivemos nos tempos do Antigo Testamento e o moderno estado de Israel, fundado em 1948, nada tem que ver com o povo hebreu dos tempos neotestamentários da lei e dos profetas. Assim, o atual país chamado Israel não tem qualquer direito divino à posse daquela terra, e ainda menos terá o direito de expulsar dela os seus habitantes.
O direito internacional tem pugnado pelo princípio dos dois estados, coisa que Israel tem sempre recusado, o que revela a sua má-fé. Apesar de os extremistas palestinianos quererem lançar os judeus ao mar, isso não é mais do que o desespero de se sentirem prisioneiros na sua própria terra.
Na carnificina de Gaza, depois de assassinar famílias inteiras e gente de todas as idades, depois de matar dezenas de milhares de crianças com as bombas israelitas e à fome e subnutrição pela recusa de deixar entrar alimentação básica, fornecida pela comunidade internacional, o governo israelita tem as mãos manchadas de sangue. A macabra contabilidade já vai em mais de 54 mil mortos e 123 mil feridos. Talvez fosse boa ideia lerem o que escreveu o profeta Jeremias: “A língua do que mama fica pegada pela sede ao seu paladar, os meninos pedem pão, e ninguém lho reparte” (Lamentações 4:4).
É estranho que o povo que sofreu um holocausto brutal há oitenta anos pela besta nazi esteja agora a fazer o mesmo a outro povo. É estranho que um povo que se saúda com a palavra Shalom (Paz) esteja a bombardear escolas, hospitais, habitações e a reduzir a escombros toda uma comunidade étnica. E é estranho que um povo que viu o seu primeiro-ministro Yitzhak Rabin ser assassinado em 1995 por um jovem judeu extremista, apenas por ter iniciado o caminho da paz, esteja agora a justificar o genocídio palestiniano com os extremistas do Hamas.
Se o mundo se está a tornar um lugar cada vez mais estranho, é igualmente estranho não conseguir ver que Gaza é, de facto, o novo holocausto.

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