domingo, 25 de maio de 2025

Amar o distante

Escutar é uma forma de reconhecer o outro, na sua individualidade e dignidade. Trata-se, pois, de um ato ético e político, tanto mais relevante quanto esse outro for diferente de nós.

Amar o próximo não me parece difícil — difícil é amar o distante. Admiro as pessoas que praticam esse amor radical, procurando escutar não apenas os restantes seres humanos, mas também as diversas formas de vida que partilham conosco o planeta Terra.

O artista colombiano Leonel Vásquez vai ainda mais longe. A obra de Vásquez envolve a escuta das pedras. Ele escuta as pedras, esforçando-se depois por traduzir a sua linguagem. Vásquez vem-se transformando num intérprete de pedras.


Num dos seus projetos mais interessantes, ”Canto rodado”, o artista recolheu pedras de rios colombianos, que enfrentam graves agressões ambientais, como o Magdalena, utilizando-as em belas e comoventes instalações sonoras. Os visitantes são convidados a escutar as pedras — com recurso a diversas tecnologias —, de forma a acederem às memórias que as mesmas transportam.

As pedras armazenam informações de muitas e distintas formas. Cada minúscula falha num cristal de quartzo testemunha vestígios de dramas (e milagres) antiquíssimos. Os arenitos guardam nas suas camadas a lembrança de oceanos desaparecidos. Os basaltos preservam — imóvel, congelado —, o grito furioso de vulcões extintos. A própria Terra canta em ciclos: placas que se encontram e se afastam, montanhas que se erguem e desmoronam, continentes que ora avançam, ora recuam, num bailado lento. Para as pedras somos seres efêmeros, fragilíssimos, quase desprovidos de memória.

A obra de Leonel defende uma descolonização de mentalidades. Ao invés de um discurso utilitário e predatório sobre o chão que pisamos — de onde nos erguemos um dia e para o qual depressa retornaremos —, deveríamos olhar para o planeta com respeito e gratidão.

A maioria dos grandes problemas que enfrentamos hoje, das guerras aos dramas ambientais, resultam da incapacidade em escutar. Precisamos aprender a escutar desde crianças — a escutar o nosso próprio corpo; os nossos semelhantes e os que não o são; todos os seres distantes e dissonantes; a Terra e o Cosmos.

Poderíamos começar por ouvir aqueles que estão na nossa casa: a nossa mulher, os filhos adolescentes, o cachorro, o gato, os cactos. Se você consegue escutar seu filho adolescente, então está pronto para escutar um cacto.

Leonel Vásquez conta que há alguns anos visitou um xamã indígena numa floresta da Colômbia. Enquanto deambulavam pela floresta o xamã pediu-lhe que se descalçasse.

— Você quer que eu me descalce para melhor ouvir a Terra, para melhor escutar a floresta?

— Não. — disse o xamã. — Quero que você se descalce para que a floresta o consiga ouvir.

Algumas das pedras que hoje pisamos viram passar os dinossauros. Quando já não existirmos continuarão aqui. Pergunto-me — que memórias guardarão de nós?
José Eduardo Agualusa

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