Me lembro que conversamos muito, e longamente, sobre os animais. Eu não gostava de ver animais amestrados, mas não estava lá como militante. Orfei era um homem do seu meio e do seu tempo: quando nasceu, em 1920, a família trabalhava com circo há mais de cem anos. Ele era um domador sui generis, que conversava com os bichos e não acreditava no medo como ferramenta didática. Eu o vi interagir com os leões e ali havia amor.
Antes de ir embora quis fazer carinho nos bichos, mas Orfei deu o contra: com certos animais, explicou, não se brinca.
Algum tempo depois ele foi atacado durante um espetáculo e quase morreu. Sua primeira preocupação no hospital foi com os leões — eles não tinham culpa.
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Há inúmeras histórias assim — com tigres, leões, ursos.
E pitbulls. Muitos pitbulls.
Os animais nunca têm culpa.
A culpa é única e exclusivamente dos humanos, que não aprendem que com certos animais não se brinca.
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Penso todos os dias na escritora Roseana Murray, que foi atacada por três pitbulls quando saía de casa para dar uma volta. Perdeu o braço direito, teve o corpo todo mordido e ainda assim deu sorte, porque sobreviveu. (Roseana é um exemplo de resiliência. A internet fez uma roda à sua volta, “lute como uma poeta”. Ela luta. E definiu os cuidados da equipe médica como o trabalho de aranhas douradas sobre o seu corpo.)
Os pitbulls não têm culpa do que fizeram. Eles descendem de animais que foram desenvolvidos para lutar, para investir contra touros e outros cães, com o propósito singular de distrair ingleses entediados no século XIX. Isso está no seu DNA e, o que é pior, está no DNA de muitos tutores que ainda entendem os seus animais como símbolos de status e de poder.
Tenho amigos que têm pitbulls. Eles dizem que os cães são dóceis e gentis, e que os que atacam não foram bem adestrados. Dizem que nunca tiveram problemas com os seus animais. Orfei e Roy também não tiveram problemas com os seus — até o dia em que tiveram.
Pitbulls, como tigres e leões, podem matar, e às vezes matam. Estraçalham pessoas. Não têm culpa de ser assim, apenas são. Cabe à sociedade mantê-los à distância.
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Na Califórnia, Brooklinn Khoury (@brookhoury), modelo e skatista, já passou por sete cirurgias para refazer o lábio superior; na segunda passada, Jacqueline Durand (@jacqueline_claire99) passou pela sua 23ª cirurgia. Suas contas no Instagram são poderosos argumentos contra a criação de feras.
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