No dia 24 de março, quando se completaram 48 anos do golpe no país, o presidente argentino postou um vídeo tentando reescrever fatos históricos do regime, pedindo para que haja “verdade e justiça” e uma “memória completa”.
Batizado de “Dia da Memória pela Verdade e Justiça”, traz o depoimento da filha de um militar assassinado por guerrilheiros. Ela diz que as organizações de direitos humanos jamais acolheram sua família. E argumenta que pessoas “de ambos os lados” foram mortas. A peça afirma ainda que o número de 30 mil mortos no período é uma invenção.
Não surpreende, já que durante a campanha eleitoral Milei já havia ensaiado esse discurso, dizendo que houve uma guerra entre os militares e os grupos terroristas e que aconteceram excessos dos dois lados. A maior entusiasta dessa versão é sua vice, Victoria Villaruel, filha de militar que lutou na Guerra das Malvinas.
É difícil precisar o alcance dessa mensagem negacionista, sobretudo imaginado que boa parte do eleitorado de Milei é de jovens. Para muitos, pode ser uma história exausta, contada um milhão de vezes pelo movimento progressista argentino, que conseguiu julgar e condenar seus militares. Tantas demandas atuais e ficam remoendo essa história? Em nossos tempos, parece que a democracia perde seu valor quanto mais estabelecida – sinal de um sistema que não representa seus cidadãos.
No Brasil, o governo Lula decidiu pelo silenciamento. 60 anos do golpe e não houve uma palavra oficial contra a ditadura. As vozes destacaram-se na imprensa e em algumas manifestações pelo país. É uma ferida que jamais cicatriza.
A anistia de 1979 antecede o discurso de Milei. Houve excessos dos dois lados, os exilados podem voltar e os militares podem marchar impunemente. Nenhum fardado julgado, nenhum condenado. A Comissão da Verdade, durante o governo Dilma, foi ignorada.
Em parte, esse é o combustível que alimenta, há décadas, a visão popular de que “na ditadura era melhor”, “na ditadura as pessoas tinham mais respeito”. Anos sem eleições, parte da população vivendo com medo e uma crise econômica que abalou o país foram esquecidos. É uma nostalgia inventada que quase nos levou ao golpe em 8 de janeiro.
O jogo é esse. Neste março de 2024 os militares podem comemorar. Seus privilégios e impunidades foram protegidos. A História é um campo minado de versões em que vence a verdade mais difundida.
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