quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Partido Miliciano, o sujeito oculto da política nacional

Apenas 12 dos 28 partidos e federações que disputaram as eleições de 2022 conseguiram alcançar a cláusula de desempenho fixada pela Emenda Constitucional 97, de 2017. De lá para cá, somente essas 12 legendas têm acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão.

As novas regras em vigência desde 2018 impuseram às 16 legendas que não alcançaram o critério de desempenho três alternativas de sobrevivência – a fusão, incorporação ou federação com aquelas que obtiveram melhor desempenho nas urnas.

Bom para a política, esse enxugamento deu mais nitidez ideológica ao sistema partidário, com prevalência da corrente conservadora. Porém, nessa contabilidade partidária o sujeito oculto é o Partido Miliciano, infiltrado na direita como um cavalo de Tróia.

Camuflado em legendas majoritárias, serve-se do dinheiro público destinado ao desenvolvimento das atividades partidárias para alavancar sua estratégia de ampliação territorial. Como fez no Rio, a partir da Assembleia Legislativa.


Essa turma abraça as pautas conservadoras, embora pouco ou nada lhe importem os valores religiosos e morais da direita tradicional. O faz pela conveniência de atrair essa direita para temas próprios que aparentam similaridade ideológica.

Importa-lhes não aprimorar a política antidrogas e materializar um braço parlamentar do crime, blindando-se no bolsonarismo para impedir a ação dos poderes constituídos e consolidar-se como um poderoso grupo paramilitar a serviço de um estado paralelo, cujo comando divide com o tráfico.

Ao permitir a fusão de interesses distintos com uma pauta de valores comum apenas na aparência, a direita corre o risco de associar sua imagem – e suas biografias individuais – a temas que são caros apenas aos milicianos. E comprometer-se com uma associação criminosa infiltrada no parlamento.

É quando, por exemplo, a bancada do agronegócio defende a política bolsonarista de armar cada morador de Copacabana, quando o que lhe importa é garantir o direito de defender suas propriedades no campo.

Nesse contexto se inserem as recentes operações de busca e apreensão nos gabinetes parlamentares dos deputados Alexandre Ramagem e Carlos Jordy, cada um, a seu modo, flagrado em crimes contra o Estado.

Ambos são os únicos beneficiados , nesse momento, pela mobilização da direita contra o STF em decorrência do episódio. A soberania do Legislativo, nesse caso, é mero pretexto para acobertamento de ambos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, e o do Senado, Rodrigo Pacheco, parecem já entender esses riscos. Evitaram dar repercussão às operações da PF contra Ramagem e Jordy. Mas se tornaram alvo indiscriminado da direita, novamente contaminada pelos interesses milicianos.

A carga sobre ambos para que comprem a briga contra o STF aumentou e levou Pacheco a abdicar de seu estilo mineiro e polido para desancar o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, que o chamara publicamente de “frouxo” por não agir contra Alexandre de Moraes.

O que mobiliza a direita contra o STF não é a mesma causa que mobiliza a milícia. Esta pretende neutralizar o STF para escapar da prisão; aquela pretende limitá-lo à interpretação da Constituição e impedi-lo de ultrapassar a fronteira entre o intérprete da Constituição e o legislador.

Tem-se que o agronegócio não precisa dos milicianos para enfrentar sua batalha com o STF, como estes precisam da direita para materializar a guerra contra o Judiciário, em nome da liberdade para delinquir. A direita pode resolver suas contendas pela via política; as milícias, não.

O experiente advogado de muitos políticos, de diferentes matizes ideológicas, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, calcula em duas dezenas os parlamentares já alcançados pelas investigações que culminaram com o 8 de janeiro e que estão no mesmo roteiro de Jordy e Ramagem.

A ex-deputada Joice Hasselmann que, bem ou mal, transitou pela intimidade do bolsonarismo, concorda com esse cálculo, desde que ele se refira apenas aos ex-integrantes do PSL. “No macro, é bem mais”, diz ela. A tirar por ambos, vem mais encrenca aí no roteiro de operações judiciais contra parlamentares.

O STF dobrou a aposta e realizou uma operação de busca e apreensão contra o vereador Carlos Bolsonaro na extensão das investigações sobre a Abin paralela – a rede de espionagem política ilegal comandada por agentes de inteligência a serviço do governo Bolsonaro. Não daria esse bote se não estivesse já respaldado por informações seguras e ainda sigilosas.

Até 2019, a milícia era um fenômeno de alcance e ação estaduais. O ciclo Bolsonaro lhe deu escala nacional e se a direita conservadora, mas democrática, continuar a trata-la como igual, estará se associando à ideologia do crime e contribuindo decisivamente para que o Congresso Nacional se torne, em pouco tempo, uma Alerj federal.

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