Há quem prefira pôr a culpa na baixa qualidade dos políticos atuais. Se fosse este realmente o problema não haveria nada a fazer. Os políticos em atividade foram eleitos conforme as leis do país e, de um modo ou de outro, são uma imagem da própria sociedade, na sua diversidade e nas suas carências. Os homens que temos na esfera pública são esses que estão aí. Este é um fato da vida. O caminho construtivo, e que está ao nosso alcance, é construir instituições nas quais a conduta desses homens seja diferente do modo como eles hoje se comportam.
Precisamos encarar uma reforma política, mas para isso precisamos ter foco na questão mais crítica, que é o sistema eleitoral. O sistema chamado de proporcional com lista aberta, que é o que adotamos para a escolha dos deputados, não existe mais em nenhuma democracia civilizada e é o responsável pelos nossos problemas de governança e de falta de representação.
Na quase totalidade dos países a eleição para o Parlamento se dá por meio de dois sistemas: distrital ou proporcional com lista fechada. No distrital o país é dividido em tantos distritos quantas são as cadeiras em disputa e em cada distrito trava-se uma eleição majoritária, na qual o vencedor é o candidato mais votado. Nestas eleições distritais o eleitorado é limitado, os candidatos são conhecidos dos eleitores e o número total de candidatos é naturalmente pequeno. O vínculo entre o eleito e o eleitorado é muito forte e permanece vivo durante todo o exercício do mandato, ao contrário do nosso sistema brasileiro, no qual, passados poucos meses a maioria dos eleitores sequer se lembra em quem votou.
O outro sistema, que vigora na Espanha, por exemplo, é o proporcional com lista fechada. Cada partido propõe ao eleitorado uma lista preordenada com o número de cadeiras em disputa. Apurados os votos partidários e definido o número de cadeiras obtidas pelo Partido serão considerados eleitos os deputados, pela ordem com que estão relacionados na lista. O voto é no Partido, sua plataforma, seus valores. O resultado eleitoral tem uma consequência transparente e induvidosa. Nestes dois sistemas as eleições descobrem a maioria política e a conduta desta maioria é forçosamente coerente e fiel à vontade dos eleitores.
No Brasil tudo é diferente. O deputado disputa o voto em todo o Estado. Em São Paulo, por exemplo, os deputados são eleitos por trinta e cinco milhões de eleitores. Eleitores e candidatos não têm como se conhecer e não se estabelece entre eles vínculo de qualquer natureza. Se o voto fosse distrital, o eleitorado seria limitado a quinhentos mil, o tamanho de uma cidade média. As cadeiras são atribuídas aos Partidos, mas o voto é dado no candidato, sendo eleitos os mais votados da lista. O sistema todo é voltado para o candidato e não para o Partido. Assim o sistema não cria vínculo do eleitor com o eleito, nem desse com o Partido.
O sistema favorece a extrema fragmentação partidária e elege deputados inteiramente autônomos, livres para mudar de lado, sem qualquer consideração com a vontade de quem o elegeu. Como o governo do país depende tanto do Presidente quanto do Parlamento é preciso formar uma maioria de qualquer jeito. O caminho que existe é negociar o interesse individual dos deputados e tentar governar com estas maiorias sem alma e sem responsabilidade, renunciando a qualquer ação transformadora que mude o país. Não é o povo que escolhe a maioria.
Este é o destino de todos os nossos governos, qualquer que seja sua inclinação política e qualquer que seja o apoio que tenha da população. A mudança do sistema eleitoral é a única porta que nos resta para mudar o país. Precisamos nos acostumar com esta ideia.
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