No período do Natal instala-se um clima de congraçamento e reflexão, de esperança e renovação, de fim de um ciclo e início de outro. Tempo propício para que desarmemos os espíritos, recuperemos a capacidade de diálogo e respeito à diversidade, resgatemos a disposição de convívio com aqueles que vivem e pensam de forma diferente. Poucas vezes em nossa história vivenciamos dias de tamanha intolerância. O Natal nos abre uma porta para abrirmos corações e mentes em favor da tolerância e celebrarmos a liberdade e a democracia.
A democracia nos permite a convivência plural, a liberdade de pensamento e ação, e deveria ser para todos um instrumento de construção de consensos progressivos a partir do tratamento respeitoso e tolerante das divergências, do diálogo franco e aberto, sem anulação de identidades legítimas, mas com a boa fé de construção de um caminho comum. Cristo não veio ao mundo para dividir e sim para unir as pessoas em torno dos valores da solidariedade humana e da compreensão mútua. Boa chance para repensarmos os rumos de nosso país.
A busca da verdade é uma obra em permanente construção. Não é uma realidade pronta e acabada. E é preciso ter o espírito aberto para rever opiniões e posicionamentos. É preciso que todos tenham humildade e propensão à mudança. O sectarismo é o atalho mais curto para a intolerância.
A liberdade é essa palavra de difícil explicação, mas que não há quem não entenda, como quis Cecília Meireles. A vida em sociedade impõe certos limites à liberdade individual. A arbitragem das fronteiras entre a necessidade social e a liberdade individual não é nada fácil. Mas no mundo contemporâneo ela está ameaçada. E cabe a cada um de nós defende-la como valor permanente e universal. E o caminho é tolerância zero com a intolerância. Em relação a ela propôs o filósofo liberal Karl Popper em seu paradoxo da tolerância: “Devemos, pois, reservar o direito, em nome da tolerância, de não tolerar os intolerantes”.
Não é a primeira vez que experimentamos forte radicalização política no Brasil. Polarizações intensas marcaram vários momentos de nossa história. Mas é verdade que a era das redes sociais potencializou a intolerância com a maximização dos efeitos das fakenews, da cultura do ódio e das teorias da conspiração. Neste universo, como bem descreveu Giuliano Da Empoli em seu "Engenheiros do caos", a busca da verdade e do consenso não tem lugar já que “o algoritmo dos engenheiros do caos os força a sustentar não importa que posição, razoável ou absurda, realista ou intergaláctica, desde que ela intercepte as aspirações e os medos – principalmente os medos- dos eleitores”.
A sobrevivência da liberdade e da democracia dependem de duas normas básicas não escritas que fortalecem o sistema de freios e contrapesos: “a tolerância mútua, ou o entendimento de que as partes concorrentes se aceitam umas às outras como rivais legítimas, e a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais” (Como as democracias morrem, Levitsky & Zoblatt). O fundamento essencial da democracia não está nas leis, mas na consciência da sociedade e na cultura democrática coletiva.
Que o Natal seja um momento de comemoração e reafirmação dos valores da liberdade, da tolerância e do respeito ao próximo.
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