quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Odorico e a compostura

Compostura: ato ou efeito de compor (-se). Também modo de ser, de estar, de agir; que revela sobriedade, educação, comedimento para apresentar-se em sociedade.

Jair, o PR do Brasil, passa longe dessas definições. Talvez porque a palavra seja um substantivo fe-mi-ni-no – vocábulo definidor de um dos gêneros de seres humanos que provocam os instintos mais baixos do Jair.

Tem compostura quem sabe exercer austeridade, autocontrole, autodomínio. Quem sabe comportar-se adequadamente. Ou, no popular, atuar como manda o figurino. Coisas que passam infinitamente distante do Jair.

Coveiro é o profissional que abre e fecha covas em cemitérios. Jair já disse que não é um deles. Por isso mesmo, deixou claro: embora PR, como não é coveiro, nada tem a ver com os mais de 600 mil mortos da pandemia de Covid no Brasil.

Em sentido figurado, coveiro costuma indicar pessoa que estimula e/ou contribui para o fim de alguma coisa. O que cabe como luva no Jair. Em quase quatro anos como PR do Brasil, Jair detonou compostura, respeito a tal liturgia do cargo e mais um penca de coisas no país.

Daí, chefe de Estado que ainda é, cruzou o Atlântico para, como convidado, participar das homenagens póstumas à Rainha da Inglaterra – figura mais representativa da compostura e do respeito ao cargo.

Como o previsto, deu ruim. Jair lambuzou-se todo nas inconveniências. Principalmente, fez campanha política. No país enlutado, fez comício com claque barulhenta. Seu gado, enfurecido, aos costumes, avançou contra jornalistas. Destemidos, mugiram até contra os profissionais da BBC – tradicional e respeitada empresa britânica, pública, de comunicação. Aos berros, disseram aos donos da casa que “não eram bem vindos ali”.

Ribombando, mandaram outros ingleses “pra Venezuela”.


Compostura pura. Respeito máximo – à rainha e a seus súditos, na terra e no velório público da icônica monarca. Com essas deselegâncias todas, pretendiam imagens para bombar a campanha eleitoral, meio micada, do Jair.

Ou seja, no ambiente austero e fúnebre, Jair, armado com sua tropa, chegou-chegando. Primeiro, como definiu um comentarista da Globo News, no modelo boneco de posto, balançando-se alegremente ao vento. Depois, da sacada da residência do embaixador brasileiro, completou a performance, repetindo personagem clássico da comédia brasileira: Odorico Paraguaçu – prefeito da fictícia Sucupira, que fazia um de tudo para inaugurar sua maior obra de governo, um cemitério superfaturado.

Pra quem não conhece, Odorico Paraguaçu é personagem principal de peça teatral e depois de novela do dramaturgo Dias Gomes. Levada ao ar pela TV Globo, em 1973, a novela teve o sugestivo título de O Bem Amado.

Odorico, prefeito corrupto, demagogo e machista, era adorado por seus eleitores. O personagem vivia cercado de falsas beatas e de puxas-sacos. Marcou época e deixou pra história, além da caricatura do político esperto e safado, muitas expressões de um discurso que adverbiava quase tudo e abusava dos duplos sentidos. Tipo:Homem que é homem mata a cobra e mostra pau.

Vamos botar de lado os hora-veja e os pratrazmente e ir pros finalmente.
Homem só chora quando come pimenta.

Não sou de machismos, nem de reacionarismo. Meu negócio é o democratismo baiano.

Tudo “perfeitamentemente” pronto para dar vigor ao vocabulário jairzístico, né não?

O mote da história de Dias Gomes é a busca de um defunto local pra inaugurar o cemitério. Pra desesperos e destemperos do prefeito, ninguém morre em Sucupira. Ao fim e depois de alopradas infinitas, Odorico, que definia adversários e jornalistas como “vagabundistas” e “cachassistas”, acaba assassinado por um de seus fieis seguidores. E, “finalmentemente”, seu corpo inaugura o cemitério.

Na Inglaterra, a primeira dama, Michele, dizem, vestiu-se inspirada em trajes de Jack Onassis, da atriz Audrey Hepburn e da princesa Kate Middleton – ícones de elegância e do bom gosto.

Jair, que tentava vaga de auxiliar de coveiro, foi de Odorico Paraguaçu. Desempenho perfeito.

PS: Jair e seu gado padecem de doença que a ciência chama de ressentimento social, né não?

Nenhum comentário:

Postar um comentário