A sucessão dos eventos no desaparecimento de Bruno e Dom dá uma noção da realidade. Inicialmente, só os indígenas procuravam, depois apareceu a Polícia Militar. Em seguida, veio a Polícia Civil para apoiar. Mas apoiar quem? A Polícia Federal não se envolvia muito no começo, a Marinha ficou em Atalaia do Norte e só ontem mobilizou helicópteros e embarcações. O Comando Militar da Amazônia, do Exército, disse que aguardava ordens superiores, depois disse que estava atuando, e na verdade só ontem passou a participar de fato das buscas. Começou procurando longe do local do desaparecimento. Só depois de muita pressão, durante a tarde da quarta-feira, as forças federais passaram a atuar de forma mais efetiva.
O general Plácido, do Comando Militar da Amazônia, disse que tinha mobilizado “homens e meios” para o cumprimento da missão. A entrevista dada ontem por todas as forças envolvidas dava a impressão de que o governo federal tinha de fato se mobilizado. Mas só se mexeram depois de um certo tempo, e a partir da pressão da sociedade e das lideranças indígenas. No final do dia, a luta dos indígenas era para manter preso o suspeito mesmo após a audiência de custódia. O secretário de Segurança Pública do Amazonas disse que não havia ligação entre o suspeito, Amarildo, e o crime. Mas os indígenas dizem que há testemunha das ameaças feitas por ele a Bruno Pereira. O repórter Daniel Biaseto revelou que o procurador de Atalaia do Norte é advogado do suspeito. O outro defensor é o procurador-geral da cidade vizinha, Benjamin Constant.
O quadro é desolador. Autoridades públicas querendo demonstrar que estão atuando, mas nada esconde a cena geral de um Estado omisso diante da tragédia da Amazônia e um governo que em muitos momentos estimulou diversos crimes ambientais. A rede de criminalidade ganhou musculatura no governo Bolsonaro, ameaça defensores da floresta de todas as formas. Os crimes cometidos terminam impunes. O amigo de Bruno Pereira, Maxciel dos Santos, foi morto em frente da família, em Tabatinga, em 2019, e mesmo três anos depois o inquérito da Polícia Federal não foi concluído. Os assassinos nunca foram punidos. Por isso, a sensação de impunidade com que mandavam ameaças a Bruno e aos líderes indígenas do Vale do Javari avisando que terminariam como Maxciel.
Maxciel havia trabalhado junto com Bruno quando o indigenista coordenou a Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. Não era servidor efetivado da Funai, mas era com isso que sonhava e estava em vias de conseguir quando foi assassinado. Sua última atuação, antes de ser morto, foi uma fiscalização exatamente na mesma região onde Bruno desapareceu. Bruno é funcionário de anos da Funai, com experiência e sentido de missão. Pediu licença quando passou a ser perseguido dentro do órgão após ações efetivas como a que destruiu centenas de balsas em terra indígena. Ele saiu da Funai para seguir cumprindo sua missão de defender os povos indígenas. Esse é um quadro comum que se vê na Amazônia. Os servidores da Funai estão acuados ou ameaçados. Os líderes indígenas lutam muitas vezes sozinhos, assumindo o papel do Estado na defesa da floresta. Ambientalistas denunciam, tentam alertar, mostram os dados. Mas o crime tem avançado.
— Esse caso está tendo visibilidade, mas muitas ameaças e crimes têm acontecido contra milhares de defensores da floresta socados neste enorme interior da Amazônia. Esse é o modus operandi das quadrilhas — diz Leonardo Lenin, ex-coordenador de Índios Isolados da Funai, e hoje trabalhando no Observatório dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados (OPI).
Um governo que aceita o avanço do crime sobre o território é uma ameaça à segurança nacional.
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