Segundo o jornalista Bruno Garattoni, um dos poucos brasileiros que se enfiaram naquelas paragens, é preciso atravessar um túnel de 120 metros escavado na montanha congelada e passar por cinco portas à prova de explosões para acessar o cofre/bunker. Ali estão as famosas 880 mil sementes de 5.403 espécies vegetais colhidas nos quatro cantos do planeta — entre elas, nosso arroz, feijão e milho enviados pela Embrapa. Trancado o ano todo — exceto para dias de inspeção ou recepção de material novo —, esse banco da vida não deve ser dilapidado antes da hora fatal. Até hoje, ocorreu uma única retirada, em 2015, quando a Síria devastada pela guerra sacou sementes de algumas espécies do Oriente Médio.
Diante da alarmante decadência política no Brasil — galopante, reles e destrutiva —, cabe perguntar que tipo de sementes da democracia temos em estoque para uso emergencial. Segundo a historiadora e jornalista americana Anne Applebaum, Prêmio Pulitzer e autora de “O crepúsculo da democracia: como o autoritarismo seduz e as amizades são desfeitas em nome da política” (Record, 2021), “não existe um arco da História”. “Nada é inevitável em se tratando de democracia ou ditadura”, escreve ela. “O que acontece amanhã depende do que todos nós fazemos hoje.” Applebaum observa que uma ordem mundial liberal nada tem de natural, uma vez que leis de nada servem sem alguém para fazê-las cumprir. A menos que democracias se defendam juntas, as forças da autocracia haverão de destruí-las.
A edição mais recente da revista The Atlantic traz o ensaio “Os bad guys estão ganhando”, em que ela avisa que as revoluções democráticas são contagiosas também às avessas: quando derrotadas num país, torna-se mais fácil impedir que brotem noutro. Cinco são os autocratas que lhe servem de fio condutor — o venezuelano Nicolás Maduro, o presidente da Bielorrúsia, Alexander Lukashenko, o russo Vladimir Putin, o chinês Xi Jinping e o turco Recep Erdogan. Para quem lê o texto a partir de um “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, salta aos olhos que falta alguém entre os retratados por Applebaum. Ou não. Ela pode ter considerado Jair Bolsonaro medíocre e delirante em demasia para incluí-lo entre os bad guys de alguma envergadura.
Ficamos então nós, sozinhos, presididos por um capitão incendiário que jura botar a cara no fogo por um ministro defenestrado quatro dias depois. Na verdade, o único exercício diário do personagem tem sido botar o Brasil no fogo da incivilidade educacional, cultural, ambiental e institucional. Cabe registrar a expressão certeira cunhada nesta semana pela ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, referindo-se à incessante destruição do país por dentro: “cupinização institucional”.
Faltando 180 dias até o esperado 2 de outubro do primeiro turno eleitoral, e 240 dias para a posse do presidente e dos governadores eleitos, é hora de juntar o maior número de sementes democráticas e protegê-las da avalanche de pragas. Antes que se multipliquem ainda mais nos três Poderes. Melhor nem listar aqui uma sinistra plêiade de egressos do atual governo, com folha corrida capaz de assombrar qualquer cidadão normal. Se eleito(a)s, farão do Congresso Nacional um pântano ainda mais amoral que a legislatura atual.
Daí a utilidade de evocar a iniciativa dos noruegueses. Enquanto a Terra for o único lar que temos, e o céu nos servir de generoso teto, vale colher e armazenar o que queremos preservar. Antes que essas sementes sadias se tornem espécies em extinção.
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