sexta-feira, 18 de março de 2022

Triunfo do populismo

É preciso ter clareza sobre a real natureza do risco político a que estará submetida a condução da política econômica nas eleições de outubro.

Quando se trata de outras dimensões de política pública — relacionadas, por exemplo, a educação, saúde, segurança pública, costumes, cultura e meio ambiente — faz algum sentido perceber a disputa presidencial polarizada, entre Bolsonaro e Lula, como um embate entre direita e esquerda.

No que tange à condução da política econômica, essa percepção de um embate entre direita e esquerda até chegou a fazer sentido na eleição de 2018, pelo menos para quem se deixou cair no conto de que Bolsonaro passara a ser um discípulo convicto e disciplinado de Paulo Guedes.


Na atual campanha presidencial, contudo, tal percepção já não faz nenhum sentido. O que estará em jogo, em outubro, será um embate entre duas visões populistas da condução da política econômica. Tentar reduzir tal embate a um entrechoque entre direita e esquerda só dificulta a compreensão do que de fato estará em jogo.

Que diferença fundamental há entre as propostas de alteração da política de preços de combustíveis que vêm sendo defendidas por Lula e o PT, de um lado, e por Bolsonaro e o Centrão, de outro?

Que diferença há entre a obstinação com que o PT se propõe a afrouxar o teto de gastos, de um lado, e o inconformismo de Bolsonaro e do Centrão com a limitação da expansão de despesas no Orçamento da União, de outro?

Que forças políticas no Congresso dão, hoje, respaldo inequívoco à preservação do teto de gastos e da responsabilidade fiscal? É bom lembrar do apoio maciço de supostos “partidos de oposição” à aprovação da PEC dos Precatórios, no final de 2021. O PT só votou contra porque, na verdade, defendia um Auxílio Brasil de R$ 600 por mês.

A seis meses e meio do primeiro turno da eleição presidencial, Bolsonaro, articulado com o Centrão, continua investindo contra o alambrado das restrições fiscais para, na medida do possível, tentar compensar, com farta distribuição de benesses ao eleitorado, a expansão medíocre do PIB e do emprego.

Não parece haver limite para o vasto cardápio de medidas populistas que vêm sendo aventadas e anunciadas. Para tentar manter as aparências, iniciativas mais desabridamente irresponsáveis vêm sendo levadas adiante por uma tabelinha entre o Planalto e o Centrão, em que se reserva ao ministro da Economia o papel de quem está na defesa, tentando tomar a bola.

Nas últimas semanas, esse quadro já desalentador tornou-se ainda mais difícil, na esteira das ondas de desestabilização deflagradas pela invasão da Ucrânia. Em meio ao sério descontrole inflacionário com que o Banco Central já vinha tendo de lidar, o país se vê, agora, às voltas com forte choque de preços externos advindo dos abalos nos mercados internacionais de commodities, especialmente de petróleo.

O repasse da elevação dos preços internacionais aos preços internos de combustíveis foi o que bastou para deflagrar um verdadeiro festival de populismo, em que os dois candidatos que lideram as pesquisas de intenção de votos se têm alternado, na formulação de propostas estapafúrdias que possam impedir o encarecimento de derivados de petróleo em ano eleitoral.

Na esteira do esgarçamento do compromisso do governo com uma política econômica realista e coerente, pautada pela responsabilidade fiscal, há alto risco de que, mais uma vez, a campanha presidencial passe ao largo das questões que verdadeiramente importam.

Se, de fato, ficar restrita à polarização Lula-Bolsonaro, a eleição promete se converter em mero embate entre variantes de populismo, mal disfarçadas em programas econômicos anódinos dos dois candidatos. O que marcaria abandono explícito — a meio caminho, se tanto — da agenda de reconstrução de política econômica que, aos trancos e barrancos, o país vinha tentando levar adiante, desde 2016.

Essa é a essência do risco político que permeia a disputa presidencial de outubro.

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