O presidente está diretamente envolvido, no mínimo por prevaricação. Segundo a acusação do deputado Luis Miranda e de seu irmão Luis Ricardo, funcionário do Ministério da Saúde, os dois foram a Bolsonaro em 20 de março, um sábado, relatar que autoridades do ministério faziam pressão para o servidor aprovar uma importação de vacina com irregularidades evidentes. O presidente disse que tomaria providência, e citou o nome de Barros. Ele não tomou providências e só agora apareceu com a desculpa esfarrapada de que apresentou o caso ao ministro Pazuello (querem deixar a bomba no seu colo, general, abre o olho) e que este voltou depois dizendo que não havia nada.
Como mandar uma investigação ser feita pelo órgão sobre o qual repousa a suspeita? Era caso de polícia, que não foi acionada. Pior, Pazuello estava de saída e seu substituto já despachava no Ministério da Saúde, embora o general tenha ficado participando de um processo de transição até o dia 22 de março. Houve, portanto, apenas um dia útil para o general investigar a denúncia e “constatar” que nada houve. Ao sair, contudo, Pazuello disse aos funcionários que havia gente querendo levar um “pixuleco” do Ministério.
Segundo o recibo apresentado pelos Miranda, deveriam ser transferidos US$ 45 milhões dos cofres públicos (R$ 225 milhões, ou duas Mega-Senas de Natal), para a conta de uma empresa em Cingapura, que não constava do contrato. Fora isso, o preço da vacina poderia estar superfaturado. A alegação do governo é que o contrato não foi finalizado. Claro, não foi concluído porque vazou. Detalhes: 1) A empresa Precisa já havia dado outros golpes na Saúde; 2) Bolsonaro intercedeu junto ao governo indiano em favor da Precisa.
O escândalo, que envolve políticos e militares, foi mal conduzido pelo governo. O ministro Onyx Lorenzoni ameaçou as testemunhas e mandou a Polícia Federal investigar um deputado no exercício do seu mandato sem autorização do Supremo. A mesma PF que não foi mobilizada quando a denúncia surgiu. Onyx disse ainda que o recibo apresentado era forjado. Não era. A arrogância do ministro é a cara do governo Bolsonaro. A estupidez do presidente parece transbordar em cascata para os escalões inferiores.
Dois zerinhos também mostraram a cara ontem. O deputado Eduardo Bolsonaro teria sido avisado por Luis Miranda e, como o pai, nada fez. O senador Flávio Bolsonaro, teria levado Francisco Maximiano, presidente da Precisa, empresa que intermediou o contrato da Covaxin com o Ministério da Saúde, a uma audiência com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, em outubro do ano passado. Essa intimidade com Maximiano, revelada ontem pela revista “Veja”, deve empestear ainda mais o ambiente no Palácio do Planalto.
Além dos escândalos que se avolumam e desmascaram Bolsonaro, não dá para esquecer as falcatruas domésticas, como as rachadinhas dos gabinetes da família do presidente e o depósito de R$ 89 mil feito pelo miliciano Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, dona Michelle. Também precisa ser explicado onde o zerinho senador arrumou dinheiro para comprar uma mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Ele recebe R$ 32 mil brutos, ou pouco mais de R$ 24 mil líquidos por mês. Se desse todo o salário para financiar o imóvel, teria de trabalhar sem receber nada por 20 anos e oito meses. E ser eleito mais duas vezes, o que a esta altura já não se pode garantir.
Com a maior cara de pau, Jair Bolsonaro disse a uma plateia no Rio Grande do Norte que em dois anos e meio o seu governo não foi objeto de nenhuma acusação de corrupção. A declaração foi feita na última quinta-feira, dia seguinte à demissão de Ricardo Salles do Meio Ambiente, denunciado no STF por enriquecimento ilícito, e à denúncia do deputado Luis Miranda sobre a Covaxin. Talvez ele tenha tentado dizer que ignorou as denúncias e se expressou mal. Ou foi um lapso psicológico. O torniquete vai sendo apertado no pescoço do presidente e de seu governo.
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