segunda-feira, 7 de junho de 2021

Bolsonaro, o gigolô da facada que poderia tê-lo matado

A história das palavras mais usadas por Jair Bolsonaro divide-se em antes e depois da pandemia. Depois, sem dúvida, a palavra mais repetida pelo presidente foi cloroquina, uma droga ineficaz contra a Covid-19 que o mandatário ainda insiste em recomendar. Tem lá suas razões para isso que um dia serão mais bem contadas.

Antes da pandemia, a palavra que mais usou foi facada, para extrair vantagens políticas do ato insano de Adélio Bispo de tentar matá-lo no dia 6 de setembro de 2018, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Embora, à época, estivesse em ascensão nas pesquisas de intenção de voto, as chances de vitória de Bolsonaro eram incertas.

Seu tempo de televisão na propaganda eleitoral era minúsculo, irrelevante, se comparado com o dos seus adversários. Não conseguira tempo maior porque os partidos se recusaram a apoiá-lo. O despreparo de Bolsonaro era abissal, como ainda é, e por isso debates entre candidatos metiam-lhe medo.

A facada impulsionou sua candidatura. Ele foi para a cabeceira das pesquisas na condição de vítima. O atentado foi atribuído a um militante de partido de esquerda. A cobertura jornalística de sua recuperação funcionou como o tempo de propaganda que ele não tinha. E Bolsonaro pôde fugir dos debates.


Explorou o próprio sofrimento antes de se eleger, depois de eleito e antes de ser empossado, depois da posse, e até que a Covid chegasse. Não perde a chance de dizer que, se não morreu, foi porque Deus não quis, para que pudesse governar o Brasil. Ancorado em Deus e na facada, espera reeleger-se ano que vem.

O homicídio que não se consumou voltou a ser lembrado, desta vez pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), em resposta a uma reportagem da “The Economist”, a mais importante do mundo, publicada no jornal O Estado de S. Paulo sob o título: “A década sombria do Brasil”.

A revista apresenta Bolsonaro como um líder que pretende “destruir as instituições, não reformá-las”. E diz que “a prioridade mais urgente é derrotá-lo”. A Secom postou uma série de 23 posts no Twitter para dizer que ninguém levou a reportagem da revista a sério. Imagine se tivessem levado a sério…

A maioria dos posts é um panegírico a Bolsonaro e ao governo, distorce fatos, omite verdades e bate duro na revista, afirmando que a “The Economist” enterrou “a ética jornalística” e extrapolou “os limites do debate público”. Há limites para debate público? Se os há, o governo Bolsonaro costuma respeitá-los?

Às muitas provas de que o governo não os respeita, a Secom acrescentou mais uma ao sugerir que a revista fez a apologia à morte de Bolsonaro. Em um dos post, escreveu:

“Vejam bem: não falam apenas em vencer nas urnas, superar, destituir. Falam em eliminar. Estaria o artigo fazendo uma assustadora apologia ao homicídio do presidente?”

Na versão original da reportagem, está escrito: “The most urgente priority is to vote him out”. Na versão do Estadão, a frase foi traduzida assim: “A prioridade mais urgente é eliminá-lo”. A construção correta é: “A prioridade mais urgente é derrotá-lo (no voto, nas eleições)”. Deve haver na Secom quem domine o inglês…

A Secom insistiu em outro post: “Parece que o desespero da Economist e do jornalismo militante, antidemocrático e irresponsável é para que o presidente da República seja eliminado o quanto antes, antes que ele e seu governo concluam o excelente trabalho que fazem para o bem do Brasil”.

A reação do governo a uma reportagem “que não chamou a atenção de ninguém” dá a medida do sufoco que ele vive. A pandemia não foi detida, e uma nova onda do vírus se aproxima. Falta vacina. A CPI do Senado aperta-lhe os calos. E a oposição põe o povo de novo nas ruas.

(Atenção, Secom! O “poderia tê-lo matado” que consta do título acima não é apologia ao homicídio que não passou de uma tentativa malsucedida. Convenhamos que a facada poderia, sim, ter matado Bolsonaro.)

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