segunda-feira, 7 de junho de 2021

Do verde ao amarelo

A decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello é dessas notícias que anunciam uma época.

Já tinha escrito que saberíamos por ela se há luz no fim do túnel ou se nos espera uma longa escuridão. Infelizmente, o Exército brasileiro amarelou diante da pressão de Bolsonaro. No futuro, saberemos se amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto autoritário.

Isso já não importa tanto. Ele já tomou o seu lado. O que importa agora é uma leitura correta do fato e uma preparação adequada para as consequências.

Sempre me exponho à acusação de exagero, mas, com tantos golpes na trajetória, minha tendência é avisar: quanto mais preparados estivermos, melhores condições teremos de resistir.

A primeira consequência tem de ser o estreitamento de laços entre todas as forças democráticas. Como assim, se elas se preparam para disputar uma eleição com candidatos diferentes?

É preciso ser ingênuo para supor que o processo eleitoral não contenha uma armadilha. Bolsonaro já afirmou que não aceitará resultados de urnas eletrônicas. Ele é defensor de rebelião armada, chegou a falar dessa possibilidade contra as restrições sanitárias na pandemia.


Policiais militares aqui e ali já se manifestam. No Recife, cegando as pessoas; em Goiás, prendendo manifestantes; em Brasília, no discurso bolsonarista do comandante.

Com a capitulação do Exército, é necessário começar desde agora a organizar a resistência.

É preciso admitir que tanto os autoritários quanto os democratas estão numa situação delicada. É complexo articular uma resistência a um golpe, mas também é complexo aplicá-lo neste momento da história.

Biden governa os Estados Unidos, e as eleições na Alemanha abrem espaço para Annalena Baerbock , líder do PV, que pode substituir Angela Merkel. Europa e Estados Unidos se movem numa mesma direção democrática e sustentável.

Isso tem pouca importância para o grupo no poder e possivelmente também para o Exército, que continua vendo a preocupação ecológica como fruto da cobiça estrangeira.

Quem confia apenas na força das armas ignora sistematicamente essas variáveis. Entretanto o exemplo venezuelano mostra que apoio externo sem grandes movimentos internos não resolve sozinho.

Estrategicamente, será preciso articular os dois e compreender como é vulnerável uma oposição dividida.

Bolsonaro jamais escondeu sua admiração pelo trabalho de Chávez. As Forças Armadas de lá tornaram-se cúmplices pelo mesmo caminho que as daqui. A diferença é que, lá, muitos cargos ocupados por militares abrem caminho para a corrupção.

Aqui, até o momento, são apenas vantagens materiais que ampliam legalmente os salários, além das benesses do poder.

Na Venezuela, há uma estrutura partidária no controle do governo. Aqui, alguns generais articulados entre si fazem a ligação entre governo e militares e entre governo e a parte fisiológica do Congresso.

Pazuello juntou-se ao grupo com o pomposo título de secretário de assuntos estratégicos. Mas é apenas mais um general do núcleo do Planalto que, na aparência, transmitiria sensatez a Bolsonaro. Na verdade, são o Estado-Maior desse regime em gestação.

Na Venezuela, tombaram militares, congressistas, juízes, e a imprensa foi detonada por Chávez e agora Maduro.

No Brasil, ainda estão de pé a imprensa, os juízes e uma parte do Congresso. Sem um grande apoio popular, não resistem sozinhos.

De uma certa forma, discutir outra coisa que não a resistência, em termos políticos, equivale à frase da doutora Luana Araújo para a crise sanitária: “É como se estivéssemos discutindo de qual borda da Terra plana vamos pular”.

Talvez tenhamos de esperar algum tempo para bloquear esse processo de cooptacão de nossas moralmente frágeis Forças Armadas. Certamente, o caminho será proibir por leis que militares da ativa participem de governo.

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