segunda-feira, 7 de junho de 2021

Zé Bozo e Zé Ninguém

O psicanalista Wilhelm Reich acabou expulso do Partido Comunista alemão depois de publicar seu “Psicologia de massas do fascismo”. Entre outros, o conteúdo desagradara aos soviéticos. O ano era 1933, Hitler chegara ao poder, e Mussolini já realizava suas “motociatas” por cidades italianas. Ambos estimulavam a violência como arma política — ganham o poder pelo incentivo ao ódio, disseminação do medo e construção de fake news. Como Lênin.

A tese de Reich: os fascistas (e nazistas) chegaram ao poder como sintoma da repressão sexual que, praticada desde a infância, leva os adultos a abraçar o autoritarismo. Castrados em seus desejos, reprimirão quem possui outro comportamento, mais libertário. O reprimido precisa da ordem unida para acalmar sua ansiedade, fruto de suas vontades abortadas. Daí clamarem sempre por uma ditadura e darem pouco valor à vida (com a camisa da CBF).

Os cristãos adjetivam aqueles que vivem diferentes de seus conceitos como “pecadores”. Os fascistas, como “comunistas” e “depravados”. Os comunistas classificam seus opostos como… “fascistas”. Não à toa, o pobre Reich foge das tropas nazistas para a Noruega e depois se estabelece nos Estados Unidos, onde é encarcerado por suas ideias (como as narradas acima). Em 1954, o juiz ordena que seus livros sejam destruídos. Em plena Guerra Fria, ele conseguiu desagradar a russos e americanos.


'O Zé Ninguém, que é povo, odeia o povo'

Pena que o Bozo (e o Heleno) vivam afastados dos livros. Saberiam que, décadas atrás, eles e seus seguidores foram catalogados por Wilhelm Reich noutro clássico: “Escuta, Zé Ninguém”. A obra também desagradou ao Malafaia da época (1948) e acabou censurada em muitos países. O Zé Ninguém é o sujeito médio, do bom senso, medianamente inculto; poderia ser o homem comum; é ainda o sujeito que, tudo bem, pode se privar da liberdade e até de ter opinião própria, desde que possa imprimir sua frustração sobre os demais. É também o cara nomeado com pequenos poderes. Frustrado fundamentalista, oprime os amigos e obedece aos inimigos. Se chegou ao poder para salvar o povo, massacrará esse povo. Porque não tem empatia — e daí?

Dá pouco valor à existência, porque afinal a vida terrena é um inferno e, como garantiu o Malafaia de sempre, depois da tempestade vem a bonança ou o paraíso. Com adiantamento de dízimos.

A ascensão do Bozo ajudou a destampar a garrafa onde adormecia o espírito do Zé Ninguém. Perseguido pelo medo da falência sexual, o Zé Ninguém busca apoio (conforto) no confronto, no preconceito ou na encrenca. Também nos meios capazes de escamotear seu medo, como armas, fardas (mesmo que seja a de zelador) e máquinas velozes.

Pipocam diariamente exemplos de pequenos ditadores, aqueles munidos de uma autoridade restrita, porém capaz de azucrinar os demais. Desde o policial que prende o motorista com o carro adesivado em protesto contra as atrocidades do Bozo a outro mané, que processa o cidadão por externar num outdoor sua indignação com a falta de vacina. Alguém aí mentiu? Temos também os senadores da CPI da Covid, machos-alfa diante das mulheres, mas soltando miados fininhos diante do general Pazuello. Covardia.

Ou ainda se esconde na farda de soldadinho para dar os tiros assassinos em Recife contra manifestantes desarmados e pacíficos. Que pediam vacina! Ah, comunistas! De novo: o Zé Ninguém, que é povo, odeia o povo. Tem ódio de seu espelho, em especial quando não reza pelo mesmo credo.

Os sinais emitidos diariamente pelo Zé Bozo servem de guia a seus seguidores. A violência, movida por ressentimentos e frustrações, ocorre imitando a história. Foi assim sob Stálin (gente que entregava o vizinho para roubar sua casa), foi assim sob Hitler (deduragem por inveja pequena).

É onde entra em cena um ogro no papel de diretor da Fundação Palmares. Qual soldado descerebrado, vomita todo o ódio emanado pela chefia contra negros, esquerdistas e pessoas de talento. Pinçado no RH das redes sociais, exerce seu pequeno poder contra quem já é história em vida, como Gilberto Gil ou Martinho da Vila. É um ignorante pago com dinheiro público para tentar destruir aquilo já consagrado pelo público. Mussolini tentou algo igual e acabou no poste. De ponta-cabeça em praça pública.

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