Numa entrevista que concedeu em 2019, Eduardo Bolsonaro declarou que, se a esquerda brasileira radicalizar, "a gente vai precisar ter uma resposta. E a resposta pode ser via um novo AI-5." O Ato Institucional número 5 foi o mais draconiano instrumento da ditadura militar. Produziu, entre outras atrocidades, o fechamento do Congresso. Um deputado que jura respeitar a Constituição ao tomar posse deveria ter algum respeito pelo menos à inteligência alheia.
Ao se defender no Conselho de Ética, o Zero Três não teve como desdizer o que dissera. A entrevista foi gravada em vídeo. Saiu-se, então, com a tese segundo a qual a ditadura não interessa a quem já dispõe do poder.
"Já sendo eleito presidente da República, o menos interessado em que o país vire uma ditadura é o próprio presidente Jair Bolsonaro", disse o herdeiro do capitão. "Em igual conta, eu também, deputado federal mais votado da história do país. E muitos aí dizem que eu deveria ser cassado. Uma total violação do nosso sistema representativo. Sou o menos interessado também em ter qualquer tipo de ditadura, porque o poder já está em nossas mãos."
Eduardo Bolsonaro ainda não notou. Mas seu pai tornou-se um presidente da cota do centrão. Não é Bolsonaro que passou a ter uma base congressual. O centrão é que voltou a ter o presidente. De resto, ainda que se admitisse, para efeito de raciocínio, que os Bolsonaro estão no poder seria necessário realçar que falta-lhes alguma coisa qualquer que possa ser chamada de governo.
Ficou para a semana que vem a decisão do Conselho de Ética sobre o pedido de cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar. A punição é improvável. Relator do caso, o deputado Igor Timo (Podemos-MG) já recomendou o arquivamento. Nada mais previsível.
Mal comparando, o Zero Três faz lembrar um personagem secundário da peça Júlio César, de Shakespeare. Açulados por Marco Antonio, os plebeus saem à caça dos assassinos de César. Encontram Cinna. Alguém grita: "Matem-no, é um dos conspiradores!" Ouve-se uma voz ao fundo: "Não, é apenas Cinna, o poeta." E ecoa no ar uma sentença: "Então, matem-no pelos maus versos".
O mandato de Eduardo Bolsonaro deveria ser passado na lâmina até por conta dos seus "maus versos". Mas um Congresso que convive com deputada acusada de mandar matar o marido e com senador pilhado com dinheiro na cueca... um Congresso assim é capaz de absorver qualquer absurdo.
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