Desde a publicação de nossa carta aberta, em 4 de junho de 2019, foram mais 9 decretos e 15 portarias do Exército Brasileiro ou de ministérios, em um conjunto normativo de 31 atos unilaterais do Poder Executivo que ferem de morte qualquer vislumbre de uma política de controle de armas e munições moderna e responsável, inclusive contradizendo acordos internacionais ratificados pelo Congresso e interiorizados no ordenamento jurídico nacional.
Nesse período, discursos que elevam o armamento da população como instrumento de ação política, orientada contra adversários e contra políticas das quais se discorde, foram irresponsavelmente apontados como caminho para o fortalecimento da democracia brasileira. Além de irem na contramão das prioridades de um país assolado por uma das maiores crises sanitárias de sua história, as medidas adotadas pelo governo federal ignoram todas as evidências científicas sobre o impacto negativo do aumento do acesso e circulação desses arsenais num país já gravemente afetado pela violência armada: cerca de 70% dos homicídios que acontecem no Brasil são cometidos com armas de fogo.
De acordo com dados da Polícia Federal e do Exército, houve um aumento de 65% no acervo de armas registradas nas mãos de civis no Brasil entre 2018 e 2020. Depois de adotar uma série de medidas que aumentaram o acesso a grandes quantidades de armas e munições pela população, o governo publicou quatro decretos que reduziam o controle estatal sobre esses arsenais.
Como reforçamos em nosso último posicionamento, a consolidação da regulação responsável de armas e munições de um país é uma ação de longo prazo, e precisamos orientar nossas políticas públicas para superar os desafios ainda presentes, em estreita colaboração com governadores e com quadros técnicos que se dedicam ao enfrentamento do tráfico ilegal de armas e munições e à redução da violência armada no país. Não há espaço para retrocessos.
Diante do luto das mais de 330 mil mortes em razão da pandemia, é preciso que a garantia ao direito à vida e à segurança da população seja a prioridade máxima da ação dos Poderes da República.
É nesse contexto que, novamente, alertamos para os riscos do conjunto normativo apresentado pelo presidente da República para flexibilizar o acesso a armas e munições e reduzir o controle estatal sobre esses arsenais, ao contrário do que prevê a legislação em vigor. O Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional precisam agir, com urgência, para barrar as medidas do descontrole armado adotadas ao longo dos últimos dois anos e para impedir que os decretos publicados em fevereiro entrem em vigor no próximo dia 12. Armar a população não é o caminho para um país mais seguro e menos desigual, tampouco para o fortalecimento de nossa democracia. Que se determine a ilegalidade desses decretos e que sejam revogados.
Aloysio Nunes Ferreira, Eugênio Aragão, José Carlos Dias, José Eduardo Cardozo, José Gregori, Miguel Reale Jr., Milton Seligman, Raul Jungmann, Tarso Genro e Torquato Jardim, ex-ministros da Justiça
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