O país já enfrenta a falta de anestésicos e de neurobloqueadores para intubar pacientes. Entes públicos e privados precisam da autorização imediata para tentar comprá-los onde quer que estejam disponíveis no mundo. O colapso chegou. O caos se avizinha. Não temos mais UTIs. Não temos mais respiradores. Não temos mais mão de obra disponível. E agora o pior: há o risco de a infraestrutura existente se tornar inútil porque faltam as drogas necessárias.
Não obstante, até esta quinta, tínhamos, na prática, dois ministros da Saúde que não valiam por um. Porque, de fato, a pasta é conduzida por Bolsonaro. Marcelo Queiroga chegou simulando apego à ciência. Indagado sobre o uso da cloroquina, afirmou: "É algo que precisa ser analisado para que a gente consiga chegar a um ponto comum que permita contextualizar essa questão no âmbito da evidência científica e da ciência".
Madame Natasha, fonte exclusiva de Elio Gaspari, fiquei sabendo, deu o rapaz como caso perdido. E aí digo eu, não ela: há uma dimensão da linguagem que não guarda relação com a sintaxe ou com a etimologia. O conteúdo, ainda que meio atrapalhado, tem mais intimidade é com o caráter mesmo.
Quanto ao ministro que está saindo, um general da ativa, não resisto a lembrar aqui, mais uma vez —e o farei quantas forem necessárias—, o tuíte do general Villas Bôas, então comandante do Exército, escrito para intimidar magistrados e pavimentar, querendo ou não, o terreno para homicidas em massa: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?".
No começo, como é mesmo?, a Covid-19 matava "nossas avós", como discursava o "Lírico da Cloroquina". Eram as gerações passadas. "Todo mundo morre um dia", ele avançou, com o realismo típico aprendido ali pelas bandas da zona oeste do Rio. Jovens e crianças estão morrendo agora. São as "gerações futuras", em nome das quais o general ameaçou civis desarmados, ora vítimas da irresponsabilidade, da ignorância, da mesquinharia sórdida.
E agora retomo o fio que deixei lá no primeiro parágrafo. As forças e lideranças que se opõem a Bolsonaro e os operadores da Justiça comprometidos com a Constituição têm de se perguntar, a cada dia, se sua ação pode concorrer para a eventual reeleição do mandatário. Sairemos lanhados dessa tragédia humanitária e civilizatória. Precisaremos reconstruir o tecido esgarçado da democracia. Ainda é possível. Resta-nos a esperança no fundo da caixa.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), num raciocínio essencialmente correto e moral, falou sobre a necessidade de as esquerdas e o centro se unirem em defesa de algum futuro. É pouco provável que aconteça no primeiro turno. Mas saibam todos: discursos e postulações, no terreno antibolsonarista, que criem zonas de exclusão —dando mais relevo ao inconciliável do que a uma pauta mínima de defesa da ordem democrática— concorrem para a permanência daquilo que nos mata como indivíduos e nos inviabiliza como país.
Da mesma sorte, nunca foi tão grande a responsabilidade dos togados. A destruição do devido processo legal e da política como espaço de resolução de conflitos nos conduziu ao desastre. A exemplo de todo salvacionismo, também o dos fanáticos de Curitiba resultou em devastação e morte. Tenham a coragem, senhores ministros, de resgatar as regras do jogo. Não é um golpe que nos ameaça. É a desordem. Ou morreremos todos. Sem estrondo nem respiradores.
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