quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

E se um desconhecido lhe oferecer uma vacina?

O antigo slogan de um anúncio publicitário famoso não anda agora longe da realidade. Nem vai deixar de estar nos próximos longos meses que se avizinham. Num processo nunca visto, no meio de uma emergência mundial e com dificuldades logísticas de enorme envergadura, ninguém é capaz de garantir que, a qualquer momento, algo não vai correr mal, que não será preciso improvisar uma solução, que as regras não terão de ser adaptadas porque, numa proeza desta magnitude, é impossível ter tudo previsto e calculado. Vivemos tempos de um paradoxo terrível: estamos a iniciar um processo de vacinação universal (na verdadeira aceção da palavra), mas as vacinas continuam a ser um bem escasso e precioso. Elas são o nosso passaporte para a saída do pesadelo, mas sabemos que vão demorar ainda muito tempo a chegar a todos. As doses que temos precisam de ser usadas com rigor e seguindo critérios estritamente científicos, imunes a qualquer debate ideológico ou de puro palpite. O objetivo é apenas um: salvar o maior número possível de vidas. Só que, para alcançar esse objetivo, não basta apenas ir vacinando as pessoas de acordo com o grupo de risco. É preciso que todo o processo de vacinação seja feito com a maior transparência, de forma a criar a outra condição fundamental para o êxito da operação: a confiança da população. É preciso que cada cidadão tenha a certeza de que tudo está a ser feito como deve ser, sem atropelos nas prioridades nem favores aos amigos
do costume.

Esta é uma tarefa enorme e descomunal, de que é preciso ter verdadeira consciência. E, por aquilo que se vai vendo por esse planeta fora, o chamado “chico-espertismo”, que tantas vezes achamos só ser possível “neste país”, está muito disseminado por todas as latitudes, até com requintes que, por cá, ainda ninguém se lembrou.


Da mesma forma que é nos momentos de crise que melhor se conhecem as pessoas, também sabemos, desde Maquiavel, que a posse e o exercício de poder são o que melhor revela o caráter de alguém. E, nestes tempos pandémicos, ter o poder de decidir quem vacinar já começou a revelar como o egoísmo e a impunidade estão presentes em tanto lado, sempre que se pode aproveitar a oportunidade.

No meio do caos do fabrico das vacinas e da sua distribuição, a última coisa que se pode perder é a confiança das pessoas. O que não impede que possam ocorrer imprevistos e que tenha de se recorrer ao improviso. Ou seja: até pode ser que, a dado momento, algum desconhecido lhe venha oferecer uma vacina. O importante é que, nessa altura, todos saibamos que, para chegar até si, já foram percorridas as etapas necessárias e contactadas todas as pessoas prioritárias. Mesmo em tempos de pandemia é preciso ter presente que a transparência é a nossa principal vacina, enquanto cidadãos, contra o abuso de poder − um vírus tão ou mais perigoso do que o da Covid-19.

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