À sombra dessa hipótese, desenham-se imensos painéis sobre a crise da democracia, do conflito recorrente entre o liberalismo e o ideário democrático (conviverão ou tendem a se afastar?), os sistemas partidários, o nacional-populismo, com seu vaivém.
Bobbio alerta em seu clássico O Futuro da Democracia: “o pensamento liberal continua a renascer, inclusive sob formas capazes de chocar pelo seu caráter regressivo, e de muitos pontos de vista ostensivamente reacionário, porque está fundado sobre uma concepção filosófica da qual, agrade ou não, nasceu o mundo moderno: a concepção individualista da sociedade e da história. Concepção com a qual a esquerda jamais fez seriamente um acerto de contas”. Ele preocupava-se com o desmantelamento do estado assistencial.
Não por acaso, o nacional-populismo expande seus laços com figuras estrambóticas e ideais de defesa da Pátria contra “invasões alienígenas”, como são considerados os imigrantes, acusados de sugar riquezas nacionais, aumentar a desigualdade e contribuir para a insegurança pública. Assim, tocam o coração de uma “supremacia branca”, que se mostra disposta a ameaçar a democracia.
A impressão é a de que o planeta caminha na trilha do Grande Irmão, que tudo vigia, extraindo dados e informações para alimentar os protagonistas do nacional-populismo, criando em torno deles a figura do mito e puxando a sociedade para o autoritarismo. Vamos ter de conviver com uma caminhada de fôlego nos caminhos tortuosos da deterioração das democracias.
Para complicar, as ideologias ainda se confundem. Não se sabe mais como caracterizar os sistemas políticos: Sociais-Democráticos? Socialistas? Direitistas? Capitalistas de Estado como a China? (Esquisita essa mimese entre Estado Autoritário e Estado Democrático de Direito, base do sistema capitalista).
São imprevisíveis os impactos da inteligência artificial. Imagine Fulano da Silva no meio da multidão, capturado por milhares de micro-câmeras, que pinçam seu estado d’alma para transformá-lo em “mutante político”. Esse retrato se parece com o quadro pintado por George Orwell em 1984. Entra no debate o criminalista italiano Cesare Lombroso, defensor da ideia de que criminosos podem ser identificados por suas características físicas. A tese lombrosiana, rechaçada por muitos, passa a receber agora o impulso da tecnologia.
O tema volta no momento em que a maior democracia ocidental padece do assalto ao Capitólio, em Washington, abalando a confiança da sociedade sobre a capacidade do país suportar a ascensão de políticos batizados nas águas da imponderabilidade.
O fato é que, a cada dia, os horizontes democráticos são cobertos por nuvens escuras.
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