quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Um cenário de colapso social?

O que ocorre com as condições de vida das pessoas econômica e socialmente vulneráveis nos períodos seguintes às pandemias? Walter Scheidl, historiador da Universidade de Stanford, analisou a evolução global das desigualdades sociais e econômicas da humanidade desde o período da Idade da Pedra (fase da pré-história) até o século XXI. Dedicou uma parte do livro para avaliar como as epidemias impactaram as desigualdades em diferentes períodos históricos.

Embora tenha dado especial atenção à investigação sobre a devastadora Peste Negra, com mortes estimadas que variaram de 50 milhões a 200 milhões de pessoas durante o século XIV na Eurásia, dedicou sua análise também para outras experiências históricas de pandemias. Como as epidemias são consideradas um fenômeno recorrente da história mundial, deixaram-nos algumas lições sobre as questões econômicas e sociais que emergem ao final de seu ciclo.

Entre essas lições, destaca-se que em todas elas ocorreram: 1) a extraordinária perda de milhares ou milhões de vidas; 2) sacrifícios inusitados no bem-estar social das populações e no atendimento de suas necessidades básicas; 3) empobrecimento generalizado das sociedades, com queda persistente da renda e do emprego; 4) intensificação dos conflitos distributivos da renda e da riqueza entre os diferentes grupos sociais; 5) a eliminação, ao longo do tempo, pelas estruturas institucionais prevalecentes, da descompressão das desigualdades sociais através do nivelamento das perdas.



Mas a principal lição da história se refere à constatação de que as cicatrizes econômicas e sociais das mazelas pós-pandemias serão mais ou menos profundas dependendo do contexto histórico de três fatores: o estado geral da nação no período pré-pandemia; a intensidade e a duração da fase das contaminações e das mortes; e o conjunto de ações e intervenções de natureza mitigatória e compensatória das autoridades estabelecidas.

No caso brasileiro, o período pré-pandemia não era nada favorável. A economia crescia lentamente; o número de pobres e miseráveis posicionava o Brasil como o sétimo país mais desigual no Mundo; o número de desempregados, subempregados e desalentados chegava a 28 milhões; o percentual das famílias brasileiras endividadas era superior a 65%. Vale dizer, um ponto de partida com elevado passivo social, ao qual iria se somar a degradação dos indicadores de desenvolvimento humano durante o ciclo da pandemia.

Durante esse ciclo, a situação socioeconômica dos brasileiros tornou-se menos dramática por causa dos auxílios emergenciais, trabalhistas e de financiamentos favorecidos pelo governo federal. Contudo, não se pode subestimar a crise socioeconômica para a qual estamos caminhando no período pós-pandemia, o que nos leva a pensar até mesmo em um cenário de colapso social, dentro do princípio da precaução no processo de planejamento.

Para evitar que esse cenário venha a ocorrer são necessárias pelo menos três ações programáticas: a manutenção do auxílio emergencial em valores justos e realistas enquanto os mercados de trabalho não reagirem; a manutenção das atuais políticas sociais compensatórias institucionalizadas; e a formulação e a implementação de uma estratégia de retomada do crescimento econômico multissetorial e multirregional.

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