Os bispos declaram-se estarrecidos com o “apelo a ideias obscurantistas”; os “grosseiros erros” na educação e meio ambiente; a repugnância “pela liberdade de pensamento e de imprensa”; a “desqualificação das relações diplomáticas com vários países”; a insensibilidade “para com os familiares dos mortos”; e especialmente a “omissão, apatia e rechaço” a populações vulneráveis, como as indígenas. Eles reprovam ainda a associação “perniciosa” entre religião e poder no Estado laico, e em particular os grupos fundamentalistas e autoritários empenhados em “manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, e criar tensões entre igrejas e seus líderes”.
A carta, a bem da verdade, não representa oficialmente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por sinal, o fato de ela ter sido “vazada” antes do foro adequado para esta manifestação, a assembleia anual, sugere que os signatários talvez não estivessem seguros de obter a maioria de seus mais de 400 membros. É de notar também que ela não foi assinada pelos representantes de importantes dioceses. Com efeito, os manifestos da Igreja costumam se voltar antes à exortação ao bem do que à agressão particularizada a agentes do mal – a odiar o pecado e amar o pecador.
Os signatários afirmam não ter interesses “político-partidários” ou “ideológicos”. Mas é de perguntar até que ponto lograram seu intento de promover um “amplo diálogo” entre “humanistas” comprometidos com a democracia. As vituperações genéricas e descontextualizadas contra o “neoliberalismo” ou as reformas previdenciária ou trabalhista não ajudam. Até porque, para o bem ou para o mal, o governo nunca se comprometeu com uma agenda liberal e as reformas foram antes uma consecução do Congresso após um amplo escrutínio democrático. Chama a atenção ainda a omissão dos bispos em criticar a omissão do governo no combate à corrupção – que paradoxalmente foi uma de suas alavancas eleitorais. A pauta, como se sabe, é sensível a parte da militância de esquerda – notadamente a petista – que vê na indignação popular com a corrupção um movimento orquestrado pelas elites “neoliberais”.
Mas, apesar de seus indisfarçáveis matizes partidários, as principais críticas da carta são consensuais entre os setores mais moderados e esclarecidos da sociedade brasileira e internacional. A própria CNBB já criticou as políticas do governo na área ambiental e indígena e acompanhou outras instituições nas denúncias do movimento Pacto Pela Vida à participação do governo nas crises sanitária, social e política. No todo, a carta é um importante sinal de que as instâncias religiosas, após tentarem se manter neutras em tantas controvérsias políticas, estão chegando a um ponto de saturação, sugerindo um possível esvaziamento do que há de apoio ao governo na comunidade católica.
Em uma passagem do Evangelho de Lucas, Jesus, instado a solucionar uma disputa patrimonial entre dois irmãos, responde: “Quem me designou juiz de vocês?”. Então ele adverte contra os perigos das ambições terrenas, e acusa a hipocrisia daqueles que leem com exatidão os sinais meteorológicos no céu, mas negligenciam os sinais do tempo presente. “Quando algum de vocês estiver indo com seu adversário para o magistrado, faça tudo para se reconciliar com ele no caminho; para que ele não o arraste ao juiz, o juiz o entregue ao oficial de justiça, e o oficial de justiça o jogue na prisão.”
Embora os bispos não tenham sido exímios nesta arte da reconciliação – longe disso –, a sua carta é mais um sério alerta de que o governo caminha na direção do abismo. Já passou da hora de o presidente aprender a ler os sinais.
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