sexta-feira, 3 de abril de 2020

O maluco tristeza

Todo dia ele faz tudo sempre igual e o Brasil espera, trancado em casa, cercado de medo por todos os lados, qual o perdigoto de ignorância destrutiva que o sujeito vai falar.

Não será surpresa para esta coluna se mais uma vez ele voltar atrás e - como se fosse um maluco tristeza parodiando o maluco beleza Raul Seixas - dizer hoje o oposto do que disse ontem. Suspender a ideia de combater o coronavírus com um dia nacional de jejum e orações. Pensou melhor. E conclamará a nação a colocar uma vassoura atrás da porta. O vírus, essa visita dolorosamente insistente, irá embora num instante. Se ela insistir em ficar mais um pouco, que se lhe ofereça um copo de leite com manga. Será mortal. 

A expressão acima, “não será surpresa para esta coluna”, foi inventada pelo colunista Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1996). Era uma das marcas de seu fabuloso estilo, um repertório de charme que incluía a informação privilegiada, o texto fino, o humor farto e o uso de bordões. O “não será surpresa” era um truque também. Seu enunciado ocupava uma linha da coluna e, em dias de vacas magras, ela ficava mais próxima do fim.

A jornalista Miriam Leitão, que trabalhou na coluna nos anos 1980, lembra que numa noite de feriado o fechamento estava difícil, zero de notícias, e ainda faltavam três linhas. Zózimo botou o papel na máquina, tascou o bordão do “Não será surpresa para esta coluna” – e nada. Pensou muito – e veio-lhe a luz: “... nada mais será surpresa para esta coluna”.

O maluco tristeza espargindo perdigotos na porta do palácio virou a mais lamentável piada internacional em tempos de peste. E olhe que ele concorre com o bielorusso que mandou o povo tomar vodka. Com o sujeito do Turcomenistão, que proibiu a palavra corona até nas conversas. O das Filipinas, que autorizou a polícia a dar um tiro em quem saísse de casa. E o da Colômbia, que no manual de práticas sexuais recomendou à população se abster do sexo anal – e preferir masturbação. 

Diga o que disser Bolsonaro hoje (duas espadas de São Jorge em forma de cruz na porta de cada casa, galho de arruda atrás da orelha, atirar sal grosso por cima da cabeça, três dentes de alho num saquinho vermelho), Zózimo estava certo. Muita maluquez, pouca lucidez, os males do Brasil são. Nada mais será surpresa para esta coluna.

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