sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Um ano pela extrema direita

Hoje, 13 de dezembro de 2019, até que aqui tudo bem. Em termos, quero dizer. Não decretaram o AI-5 nem massas se revoltaram, como no Chile, apesar dos apelos. O drama se fragmenta em morte de adolescentes em Paraisópolis e assassinato de índios guajajaras no Maranhão.

As pessoas compram presentes e se preparam para o Natal, como o fizeram em dezembro de 1968. E os articulistas fazem o balanço de 2019.

Há muitas formas de analisar o primeiro ano de Bolsonaro no poder. Os mais otimistas veem a economia se recuperando, saúdam a redução dos índices de criminalidade, aprovam a gestão na infraestrutura. Não são apenas essas variáveis que definem o País. Se olhamos de fora para dentro, veremos que o prestígio internacional do Brasil caiu, embora não tenha ainda atingido os negócios.

Bolsonaro começou duvidando da relação com a China. Disse algumas coisas atravessadas, como os chineses comprando o Brasil, mas a resposta de lá foi tranquila. Trabalham com projetos de longo prazo, não se importam muito com os arroubos de estreantes. Agora, no final do ano, Bolsonaro afirmou que serão positivas as relações futuras Brasil-China e os dois países até já anunciam o lançamento de um satélite.

Bolsonaro começou amando Trump. Reaproximou o Brasil dos EUA e sempre esperou muito desse romance. Ao não ser indicado para a OCDE pelos EUA, houve um certo desencanto. Mas a verdade é que o próprio governo brasileiro superestimou a promessa. Não era imediata: a Argentina estava na frente.


Outro grande desencanto veio com o anúncio de Trump de taxar o aço e o alumínio do Brasil. A decisão econômica não é das mais interessantes para os americanos, apesar de seu pequeno valor eleitoral. Mas não foi tanto pela economia que Trump desencantou os admiradores locais, ele acusou, injustamente, o Brasil de manipular o câmbio, e nem se deu ao trabalho de ligar antes para Bolsonaro.

O olhar de fora para dentro, focado nas ideias presidenciais, revela Bolsonaro em toda a sua fragilidade. Para começar, aquele episódio do golden shower foi só um ensaio pelo lado selvagem do governo. Muitos outros tropeços iriam sacudir nossa imagem e desaguar no recorde de 37 denúncias contra o Brasil na ONU.

A questão ambiental foi decisiva. Bolsonaro foi eleito e começou o ano denunciando indústria de multas e combatendo a fiscalização na Amazônia. Aliás, o fiscal que o multou na Reserva de Tamoios, em Angra dos Reis, foi demitido. Mas tudo o que dizia sobre meio ambiente acabou se tornando mais dramático nas queimadas da Amazônia. Ali, confrontado com a crítica internacional, em muitos momentos derrapou. Um deles foi insultar Brigitte Macron, a mulher do presidente da França.

O longo e preocupante vazamento de óleo nas praia do Nordeste pode ter-lhe dado uma rápida trégua em termos internacionais, mas a demora em agir e o aparente distanciamento de Bolsonaro acabaram por aumentar a desconfiança dos brasileiros.

Ao deixar o ringue do confronto entre presidentes, Bolsonaro voltou-se para o show business e escolheu Leonardo DiCaprio como rival, acusando-o de financiar as queimadas na Amazônia.

Nestes dias de dezembro, pelo menos esqueceu-se de assinar o AI-5 para se dedicar a combater Greta Thunberg, a adolescente sueca: pirralha, pirralha.

Houve quem achasse semelhanças entre Hugo Chávez e Bolsonaro. Mas este parece habitar um outro mundo: o programa de TV Chaves.

Visto de dentro, Bolsonaro leva uma guerra cultural que é uma extensão de seu combate externo contra os defensores do meio ambiente. Ele comanda um governo da pós-verdade. Jesus sobe na goiabeira, Theodor Adorno fazia as letras para os Beatles, o rock leva ao aborto, que, por sua vez, leva ao satanismo, e o responsável pela política teatral ofende um símbolo de nossa cultura, Fernanda Montenegro. Não bastasse, o novo presidente da Fundação Palmares vê com bons olhos a escravidão e acha que o Movimento Negro deveria acabar. A luta cultural tornou-se um vale-tudo, com golpes abaixo da cintura das mínimas evidências: o governo adota a pós-verdade.

Tudo isso também funciona como manobra para esconder o fracasso de Bolsonaro em conduzir a bandeira da anticorrupção, que lhe deu tantos votos. As denúncias sobre o laranjal do PSL e, sobretudo, o episódio de rachadinha envolvendo seu filho Flávio o levaram à defensiva nesse campo.

O partido de Bolsonaro esfacelou-se neste ano. Como descreveu Rodrigo Maia, todos nus querendo matar uns aos outros. O que parecia um movimento conservador disposto a recuperar uma certa dignidade da política se tornou uma troca de insultos, rebaixando-a a um inédito nível de grosseria.

Bolsonaro termina o ano com 30% de aprovação. Comparado com outros presidentes, sua rejeição é a maior no primeiro ano. Alguns analistas afirmam que ele manteve sua base. Mas, evidentemente, ela se estreitou. E esses índices são dinâmicos. Outros afirmam também que o Brasil é conservador, mas se esquecem de que está sendo conduzido por uma política de extrema direita. Num país profundamente influenciado pela cultura africana, marcado pela escravidão, até o mais simplório dos políticos percebe a tendência suicida do bolsonarismo.

Neste momento, a esquerda está perdida no seu labirinto. Mas um progressivo isolamento da extrema direita abre chance de ser contestada pelo centro ou pela própria direita mais moderada.

O ano acaba, outro começa. Visto de fora, o governo Bolsonaro não tem mistérios: é tosco e despreparado para a complexidade do País e do mundo.

Aqui dentro, como jogam muitos outros fatores, os mistérios se desfazem mais lentamente. Que vengan los toros de 2020. Em 13 de dezembro veremos quem e como politicamente sobreviveu.

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