Um ano depois, sem alarde, Temer publicou um decreto que deixa em aberto a possibilidade de exploração mineral na área. Até o momento, nenhum novo registro de exploração foi feito, segundo técnicos do Ministério das Minas e Energia.
A proposta sobre a elaboração dos estudos para extinguir a Renca surgiu já no início da gestão Bolsonaro, foi reforçada em abril, quando o presidente esteve em Macapá (AP) inaugurando um aeroporto e ganhou força na última semana, depois que ele foi questionado por parlamentares governistas. “Almocei com o presidente na semana passada e ele me falou que mandou fazer os estudos”, afirmou ao EL PAÍS o vice-líder do Governo no Senado, Lucas Barreto (PSD-AP). Ele é um dos principais defensores da liberação de parte da área da reserva para mineração. Dois assessores com acesso ao Palácio do Planalto confirmaram a versão de Barreto e disseram que a decisão sobre o tema está próxima de ser tomada.
Antes de fazer qualquer anúncio sobre a Renca, Bolsonaro assinou na terça-feira a medida provisória da regularização fundiária, chamada por opositores de “MP da Grilagem”. Por meio dela será possível fazer a autodeclaração de imóveis rurais de até 1.650 hectares que não tenham registros. A expectativa é que cerca de 600.000 áreas sejam registradas, parte delas na Amazônia.
Líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP), levou nesta semana a preocupação com o tema para a Conferência do Clima em Madri (COP 25), onde ele participa de uma série de reuniões e painéis com autoridades ambientais e representantes de governos estrangeiros. “Todos com quem converso estão escandalizados com a possibilidade de se extinguir a Renca”, disse Rodrigues.
Na avaliação do senador, o Governo tem dado vários sinais de que um decreto está próximo de ser assinado e as falas públicas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demonstram que o Brasil tem conduzido de maneira equivocada o assunto. “O discurso do ministro na COP 25 teve uma clara perspectiva de sequestrador. A síntese da fala dele é essa: eu tenho floresta, se vocês não me derem dinheiro, eu desmato”.
Criada há 35 anos, a Renca tem cinco áreas protegidas em que, pela legislação atual, não poderia ser realizada a exploração mineral. São duas terras indígenas, três unidades de conservação de proteção integral. Há ainda outras quatro unidades de conservação de uso sustentável, que, em tese, há a possibilidade de exploração. Pelos cálculos da ONG ambientalista WWF, cerca de 30% da Renca poderia ser minerada. Defensor da exploração da área, o senador Barreto diz que essa área não chega a 4%, o equivalente a aproximadamente 2.160 quilômetros quadrados. “Não queremos que se derrube todas as árvores. Queremos uma exploração mineral de uma pequena parcela para ajudar a desenvolver nosso Estado”, afirmou.
Os defensores da extinção total ou parcial da Renca dizem que seria possível explorar nela ouro, ferro, fosfato, titânio, manganês, nióbio, fósforo e tântalo. “Estudos feitos na década de 1970/80 dizem que teríamos mais de um trilhão de dólares para explorar. Imagina esse valor atualizado”, disse o senador Barreto. Na sua avaliação, o dano ambiental seria localizado, já que apenas regiões montanhosas seriam exploradas, sob forte fiscalização e, na necessidade de recuperação ambiental, elas poderiam ocorrer em até três décadas.
Dados extraoficiais estimam que cerca de 5.000 garimpeiros atuam na área da Renca e há entre 30 e 40 pistas de pousos clandestinas. “Hoje somos escravos ambientais. Nosso povo passa fome. E uma moldura na parede com fotos de árvores não enche a barriga. A revogação da Renca promoverá um ordenamento legal da mineração artesanal”, ponderou Barreto.
Na avaliação de quem atua em projetos na área, mais preocupante do que qualquer impacto local é o potencial dano ao redor da área a ser explorada. A área da Renca é isolada de ordenamentos urbanos. O acesso é difícil. “Para se explorar a maioria dos minérios tem de se planejar toda uma logística com estradas, ferrovias, tem de ter energia elétrica. Ou seja, precisaria de um conjunto de outros empreendimentos que, provavelmente, serão mais impactantes do que a mineração em si”, disse Décio Yokota, coordenador-executivo-adjunto do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé).
Sobre o argumento de que é necessário desenvolver economicamente a área, Yokoda defende que sejam criadas alternativas sustentáveis para a região, e não só projetos que tenham seu fim em si mesmo. “As grandes hidrelétricas, as mineradoras, fazem a destruição, exploram, extraem e quando fecham, é o fim, mesmo. Não gera riqueza local”, disse. E acrescentou: “A situação social e econômica das cidades próxima a Renca é gravíssima. Tenho certeza que todas os moradores delas querem qualquer nova possibilidade, nem que seja uma usina nuclear”.
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