sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Rasgando dicionários

Faz 70 anos, a China era símbolo de pobreza, desigualdade social, submissão colonial, atraso científico. Em 1º de outubro de 1949, o Partido Comunista tomou o poder e começou a conquistar independência, forçar industrialização, construir igualdade, desenvolver ciência e tecnologia, adquirir estabilidade política. Esse novo país enfrentou décadas de isolamento internacional, retrocesso social, desagregação econômica, conflitos internos.

Hoje, pela atual estabilidade e consistente perspectiva, pode-se dizer que a China é a principal superpotência do futuro com coesão e rumo. O avanço chinês se deve à reforma das estruturas do passado e ao planejamento para seguir em frente. A estruturação do poder por dentro de um partido único assegura não apenas continuidade sem reviravoltas eleitorais, mas serve também para filtrar os candidatos à liderança, evitando aventureiros, demagogos, incompetentes e corruptos. A China implantou uma forma política de dar continuidade às decisões, pelo debate permanente dentro do partido, no lugar do debate entre partidos.

Obviamente, esse sistema se choca com as definições ocidentais de democracia. Diferentemente da primazia do individual e sua maioria, a China adota um sistema coerente com sua cultura de coletivismo e meritocracia. De fato, a China não cabe nos nossos dicionários. Tampouco sua economia cabe na da caixinha do verbete capitalismo, ainda menos no conceito de comunista. A China está inventando um novo modo de combinar economia e sociedade.

Isso é possível pela valorização do mérito de cada pessoa para conquistar fortuna ou prestígio, ao adquirir patrimônio ou instrumento de construção social. Reforçada a partir de 1978, essa visão tem mais de 2.000 anos, desde que Confúcio consolidou a ideologia do coletivo, do mérito e da valorização suprema da educação.

O radical compromisso com o avanço técnico faz parte da alma chinesa, como também o cuidado para proteger os que não conseguem se adaptar ao avanço. A China é capaz de reunir a ansiedade pelo progresso com o atavismo pela tradição.

Ao fundir 70 anos de revolução comunista e 40 de revolução capitalista, a China ensina que os dicionários de ideias antigas não servem para definir o que acontece por lá. Para eles, o bem público não é sinônimo de grátis, porque eles consideram que alguém paga pelo que alguns recebem de graça. Por isso, a escola cobra uma pequena mensalidade.

O modo chinês não pode nem deve ser copiado na cultura individualista e imediatista do Ocidente, mas, se queremos avançar, é preciso copiar dos chineses sua liberdade na formulação de conceitos: perceber que as explicações da realidade presente e os sonhos utópicos não cabem nos dicionários do passado.

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