Sempre fomos objeto de uma narração hipócrita, começando pela colonização suspeita de desterrados da metrópole que implantaram, num espaço sem lei, o mais cruel regime autoritário de submissão dos povos originais e de escravização de povos trazidos de longe. Foi assim que criamos a civilização da preguiça e da crueldade contra quem tentasse perturbá-la. O Brasil se formou política, social, cultural e eticamente a partir dela, com um rigor de quatro séculos que não poderia desaparecer com uma simples canetada de Isabel.
Antes da princesa, Pedro II tentou nos dar um caráter nacional promovendo, durante seu longo reinado, uma ideia de Brasil em que os brasileiros acabaram por acreditar. Para nossas elites, passamos a ser o país da cordialidade, da fraternidade, do sorriso solar em qualquer circunstância. Mas continuamos a ser uma sociedade organizada com rigor hierárquico, onde qualquer pobre, índio, preto ou pardo nunca poderia ser dono de seu nariz. A liberdade, entre nós, sempre foi só um motivo para apanhar da polícia.
Nunca fomos gentis e cordiais, como a crônica dos viajantes queria. Nossos acontecimentos mundanos, assim como nossas guerras domésticas, sempre estiveram encharcados de sangue, como em qualquer outro lugar do mundo. Mas aceitamos vender uma imagem que nos tornava uma espécie de paraíso tropical para os espíritos da ordem universal que precisavam disso. Uma hipótese de humanidade que justificava paradoxalmente as crueldades praticadas por eles por aí. Hoje, além de aplaudirmos uma liderança que deseja que o mundo se dane, aprendemos também que não somos mais o seu pulmão.
Até recentemente, ninguém tinha coragem de se declarar de direita no Brasil e na maior parte dos países democráticos do mundo. Não era propriamente um problema político, muito menos uma decisão moral. Declarar-se de direita seria mais uma negação dos tempos em que se vivia, uma opção por algo sem valor na ordem social das coisas. Não se destacava junto ao resto da humanidade, que estava obcecada por um comportamento dito revolucionário, mesmo que não o fosse tanto assim. Antes de tudo, era de bom tom ser revolucionário.
Ser revolucionário significava negar o mundo em que vivíamos e propor alguma coisa diferente, nem que fosse apenas no estilo e nas roupas que então usávamos. Ser revolucionário era ter imaginação, não se submeter aos costumes vigentes, fosse qual fosse o seu sentido em relação ao que se pensasse do mundo. Vivíamos na suposição da liberdade, porque ela mesma de fato nos metia medo. Agora, os pregadores de velhas novidades não sabem mais em nome do que defender o que defendem.
Quando a direita chegou e disse seu nome para que a esquerda não pensasse que estava sozinha a tomar conta das esperanças da humanidade, ficamos perdidos e não entendemos nada. Quem tinha receio da esquerda e a ouvia por conforto, perdeu a confiança no que ela dizia, como se sua pronúncia tivesse mudado e, agora, eram eles os estranhos estrangeiros. A esquerda não sabia falar a língua de todos, porque inventou uma língua que ninguém falava.
No fundo, a direita veio para mostrar que o mundo não é bem assim. Não há nenhuma necessidade de raciocinar, o mundo deve permanecer ao sabor do que acontece, sem essa de querer entender porquê. Enquanto não inventarmos nada de realmente novo, distante dessa estúpida razão binária de direita e esquerda, não teremos o direito de tratar o Brasil como a esperança do mundo. Ah, não sei quanto tempo isso vai durar.
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