segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Auschwitzel

Cena da semana: um saltitante governador dando murros no ar na ponte Rio-Niterói para comemorar o abate do jovem Wilson Augusto Santos, sequestrador de um ônibus com 39 passageiros. O ex-juiz Wilson Witzel, na condição de mandatário-mor, vibrava ao fim da tragédia, convencido de que acertou na sua orientação à segurança pública: “mirar na cabecinha e… fogo… matar o bandido! Para não errar”.

Deu certo. Esgotados os recursos para a dissuasão do sequestrador, restava o tiro. Foram seis. A imagem de sua Excelência se destacou pela extravagância. Ainda que se justifique a ação policial, comemorar a morte de um sequestrador é inapropriado para quem deveria conservar traços da nobre missão de administrar a justiça. Witzel se mostrou mais Rambo do que ex-juiz.

Essa estampa de violência levou um dos maiores juristas do país, o desembargador e professor de Direito Penal Walter Maierovitch, a lembrar o horror de Auschwitz, no qual os nazistas mataram 1,3 milhão de pessoas em seu maior campo de concentração. O populista Witzel ou o Auscwitzel?

O Rio é uma praça de guerra. No primeiro trimestre deste ano, 434 pessoas foram mortas por intervenção policial. Média de sete por dia, maior número desde 1998. A política de segurança pública tem se guiado pelo mote: “matar ou matar. Bandido bom é bandido morto”. A doutrina, encampada pelo presidente da República, desce como uma gigantesca cortina de sangue sobre o território, abrindo os portões dos cemitérios.

Foram 65.602 homicídios em 2017, aumento de 4,2% em relação ao ano anterior. Número recorde, equivalente a 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes mais do dobro do Iraque, segundo a Organização Mundial da Saúde. A entidade considera epidêmicas taxas de homicídio superiores a 10 a cada 100 mil habitantes. Até o final do ano, devem estourar.

A “guerra civil” carioca mata três vezes mais que a violência nos Estados Unidos e mais que os conflitos étnicos. Em 30 anos, o número de mortos chega a mais de 1,2 milhões.

Nas prisões-depósito, germinam-se novas formas de violência, enquanto as gavetas se entopem de mandados de prisão de outros milhares de bandidos soltos nas ruas.

A brutalidade jorra e as paliativas soluções governamentais estão longe de um crescimento proporcional. Os cinturões metropolitanos, já saturados de lixões que ofertam um banquete pantagruélico para urubus, crianças e mães famintas, também servem para a exibição de corpos chacinados.

O Brasil está se tornando um dos maiores assassinos da humanidade. Pior: a violência aumenta a insegurança.

Sem ânimo, emoções envenenadas pelo vírus da angústia, os cidadãos entram no limbo catatônico. E assim o mais rico país do mundo em recursos biológicos se transforma no mais fértil país do mundo em registros necrológicos.

Nessa paisagem emerge o saltitante governador com sua estética nesses tempos macabros. E onde está a índole do juiz que Bacon tão bem descreveu?Os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspetos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário