Muito engraçada, não tinha porta. Não tinha nada. A minha só não tinha porta. Porta da rua. Meu compadre Nicolai Fikoff desenhou uma bela porta de entrada. E de saída, claro. Na hora de tirá-la do desenho, foi aquela trapalhada. O marceneiro meteu as mãos pelos pés. As ripas ficaram meio soltas. E lá se foi a porta de volta para a oficina. Enquanto isto, a casa sem porta. E a rua sem luz. Era um loteamento novo. Bairro só de casas.
Com a ajuda dos vizinhos que iam chegando, eu pedia daqui e dali. Outro pioneiro, o meu amigo Marcus Vasconcellos, homem de sete instrumentos, arquiteto, tinha a sua casa na mesma rua. Recém-nascida, a casa dele ia ficar uma beleza quando crescesse. E ficou mesmo. Só que o Marcus, um bravo, não ligava pra rua escura. Houve até um crime, uma noite. O namorado matou a moça que namorava na escadinha. Namorava outro. O namorado errou na escolha da moça. Mas no escuro acertou o tiro. Um tiro só, no coraçãozinho dela.
Fora isto, foi a paz. Dois ou três meses e a nossa porta ficou pronta. Só faltava a luz. Eu me empenhava com a iluminação pública. Arranjava pistolão, insistia. Também sou brasileiro. Até que um dia, a rua já povoada, chegou um telegrama. Anunciava a instalação da luz. Postes já tínhamos. Quarenta e oito horas depois, fiz o cálculo e contei na televisão. O telégrafo era mais veloz do que a luz. Que só chegou muito depois. Com a iluminação, sumiram os macaquinhos.
Ou já não apareciam tantos, no poste, na árvore. Saguins, bem buliçosos. Isto está parecendo um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha. Juro que é verdade. Os que me ouviam puseram em dúvida. No Rio? Acharam que pirei. Aí contei que uma noite eu ia chegando no carro do Pedro Gomes. Era um 12 de outubro, me lembro bem. Naquele exato momento começou a inana. Fomos assaltados por cinco rapazes que nos seguiam. Deram um único tiro, o segundo da rua. Daí pra frente, todo mundo sabe a história da megalópole.
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