Foi um festival pornográfico. Não me refiro à ducha alaranjada nem à imaginação de Damares. Nem às conexões milicianas, nem à funcionária-fantasma, nem ao patrimonialismo filhocrático, nem aos vídeos que culpam o Bolsa Família pelo mau desempenho escolar de crianças pobres, ou que recomendam rasgar cadernetas de saúde que orientam adolescentes a prevenir doenças, ou que permitem ao general lembrar o capitão que não há síndrome de “Drown”. Por trás da pornografia, há corrosão institucional.
Foi uma peça dividida em dois atos. No primeiro mês, com as instituições de férias (o Judiciário, o Legislativo, as universidades, a Lava Jato, o pré-Carnaval), o governo lançou alguns balões de ensaio. Com pouca gente para atrapalhar, exceto a imprensa, sempre ela, o mês de janeiro permitiu experimentos autocráticos preliminares: restringiu transparência e ampliou sigilo de documento público, criou sistema de monitoramento da sociedade civil e continuou a atiçar a militância para o serviço sujo nas ruas, no campo e nas redes.
Daí em diante, veio a realidade institucional e o cotidiano administrativo. Primeiro, na cozinha da política pública. Conflagrado em conflitos internos gestados na Virgínia e entretido com sua ordem a escolas para filmar crianças cantando o hino e o slogan do governo, o MEC se esqueceu da tarefa mundana de aquisição de livros didáticos. No Ministério do Meio Ambiente, órgãos ambientais foram proibidos de falar com a imprensa enquanto o desmatamento explode em relação ao mesmo período de 2018 (para piorar, a liberação recorde de novos venenos pelo Ministério da Agricultura afeta a própria agricultura no longo prazo). O Ministério da Mulher, da Família e dos Direito Humanos começou pela retirada de LGBTs dos grupos de atenção da pasta, num dos países que mais violenta homossexuais no mundo. Também faz vista grossa a invasões de terras indígenas que se alastram pelo país. A cereja do bolo é o doping acadêmico desses três ministros campeões em honestidade: Rodríguez maquiou seu currículo Lattes, Salles disse ser mestre em Yale sem nunca ter pisado em sala de aula daquela universidade e Alves contou que seu mestrado em Direito da Família foi bíblico.
Nas relações externas, a cruzada ideológica contra o globalismo já trouxe prejuízo no comércio com árabes e chineses. As visitas internacionais não geraram, por assim dizer, grande impressão: em Davos, a fala envergonhada do presidente durou a eternidade de 6 minutos, depois, restou se ausentar da coletiva de imprensa; nos Estados Unidos, a vassalagem a Trump surpreendeu até mesmo a Fox News; em Santiago, o elogio a Pinochet conseguiu ofender até a direita chilena. Para não falar no tensionamento na fronteira da Venezuela.
Não é surpresa que o índice de popularidade tenha atingido o nível mais baixo de um presidente em início de governo desde Collor. Filhos derrubam ministros (como Bebianno, vítima de Carlos), substituem ministros (como Ernesto Araújo, escanteado por Eduardo), intoxicam a articulação política e o filho vereador despacha para o pai quando este se ausenta. Ainda surpreende que tenham decidido se indispor com ninguém menos que o presidente da Câmara. Rodrigo Maia sugere que Jair saia do Twitter e governe. Explica que governar significa negociar e buscar voto. Nem Cunha falou assim com Dilma.
Com a ala militar hesitante, Moro encolhido e Guedes traído pelo boicote da dinastia bolsonara a sua reforma de estimação, quem sapateou nestes 100 dias foi mesmo a ala pré-moderna do governo. Segundo sua teoria da revolução, precisam do “povo” nas ruas para levar abaixo as instituições. Feita terra arrasada, governariam. Não desconfiam de que eles podem morrer no processo. A democracia vai antes.Conrado Hübner Mendes
Nenhum comentário:
Postar um comentário