Houve pelo menos outros dois golpes igualmente graves, embora em outra área, a das contas públicas. Neste caso, foram assaltos ao bolso do cidadão contribuinte.
Usando a mesma tática de Marco Aurélio, decisão liminar, de caráter individual, tomada no apagar das luzes, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu medida provisória que adiava o reajuste salarial dos funcionários federais de janeiro de 2019 para 2010. Ou seja, na prática, a decisão de um ministro concedeu reajuste salarial a 372 mil servidores ativos e inativos e 124 mil ocupantes de cargos em comissão, a partir de janeiro próximo.
Medidas provisórias são editadas pelo presidente da República e têm de ser votadas pelo Congresso Nacional, ao qual cabe a palavra final. Para Lewandowski, essa tramitação é bobagem. Basta sua caneta.
Nem é de se estranhar. Em dezembro do ano passado, o ministro fez a mesma jogada, garantindo para 2018 o aumento que o governo queria adiar para 2019.
Em tese, a liminar de Lewandowski pode ser derrubada pelo plenário do STF ou pela votação final da medida provisória pelo Congresso.
Mas isso apenas se Supremo e Congresso façam isso antes de 31 de dezembro. Isso porque o reajuste salarial entra em vigor em 1º. de janeiro, embora só vá ser pago no final do mês. E como salário do funcionalismo não pode reduzido – outra das tantas vantagens exclusivas – está definitivamente elevado no início de 2019.
A menos que alguém – o presidente Temer ou a procuradora geral – entre com recurso contra a liminar e esse recurso seja recebido pelo ministro Dias Tofolli, presidente do STF de plantão, tudo antes de 31 de dezembro.
Será? Não esquecer que o STF acaba de conceder a todos os juízes um reajuste de 16%, extensivo ao Ministério Público. O que esperar de um Supremo (Supremo!) que decide conforme os interesses pessoais de seus integrantes?
O terceiro golpe, talvez ainda mais grave do ponto de vista da moral e da política, foi praticado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
O Congresso Nacional havia aprovado uma lei afrouxando as Lei de Estabilidade Fiscal, determinando, para resumir, que estariam isentos de punição os municípios que estourassem os gastos com pessoal.
A lei estava na mesa do presidente da República esperando a sanção ou o veto. Temer, a pedido de sua área econômica, pretendia vetar. Pelas normas institucionais, o veto voltaria ao Congresso, que poderia mantê-lo ou não. Tudo republicano.
Ocorre que, na última terça, Temer foi ao Uruguai para a reunião do Mercosul. Nessas circunstâncias, e por uma regra antiga que hoje não faz mais sentido, o presidente tem de ser substituído interinamente. Como Temer não tem vice, assumiu Rodrigo Maia, que foi lá na gaveta, pegou o projeto de lei, assinou e mandou para publicação. Tudo na calada da noite.
Ontem, Temer deu uma nota admitindo que foi surpreendido. Maia não falou nada. Nem precisava. Ele está em campanha para se reeleger presidente da Câmara e buscou apoio de prefeitos e seus deputados.
Há um ponto em comum nesses dois casos, a defesa dos vencimentos do funcionalismo. Na sua liminar, Lewandowski, lá pelas tantas, diz que os servidores federais não podem ser prejudicados só porque ganham os salários mais altos.
E então devem ser beneficiados por isso?
Quanto aos municípios, eis os dados: de 2010 a 2017, as despesas de pessoal passaram de 46% para 49% dos gastos totais; já a despesa com serviços prestados à população caiu de 35% para 30%.
Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, quando as prefeituras estouram os gastos com pessoal, ficam impedidas de receber repasses, empréstimos e ainda têm que fazer ajustes, como cortar despesas com salários.
Quer dizer, teriam que fazer isso, se Rodrigo Maia não precisasse de uns votos.
Quando a gente pensa que a avacalhação da República chegou ao limite, eles dão mais uns passos.
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