Um omelete é como uma poesia de um Manuel Bandeira ou de um Fernando Pessoa, essas poderosas máquinas de combinar palavras para conduzir o coração à indagação e ao arrebatamento. Na linguagem comum, as palavras nos servem mas, estruturadas pelo poeta, elas nos enternecem e englobam, tal como ocorre quando comemos um delicioso omelete.
Quem já quebrou um ovo, sabe que tal gesto – como, aliás, tudo o que é humano – requer um mínimo de determinação e firmeza. Eu não sou um bom quebrador de ovos. Não porque me falte coragem, mas porque – a alma comparativa do antropólogo social que tenho dentro de mim – me obriga a duvidar dos omeletes perfeitos. Todo projeto social com finalidades bem marcadas e certezas plenas – da Proclamação da República ao carnaval (sem esquecer o Holocausto, a Revolução Francesa e a Russa) são omeletes e, como tal, exigem o “sacrifício” de muitos ovos.
Conforme aprendi com Isaiah Berlin, quanto mais existe certeza no projeto, mesmo quando eles são insanos como propostas de solução final para todos os males que nos afligem – da fome, das doenças, do desemprego caudado pelada corrupção como meio de controle político –, mais se precisa de ovos e, como diz Berlin, mais ilusório se torna o omelete.
Os fins e os meios nem sempre combinam e, como diz Berlin, são contraditórios. Muita liberdade promove abuso e opressão; muita igualdade faz com os lobos comam as ovelhas; muita escravidão e desigualdade agenciam tolerância com injustiças e, pior que isso, com uma justiça seletiva e calculista à qual tem sempre um olho aberto para salvar certos ovos e quebrar apenas os mais fracos ou dos que seriam dos nossos inimigos, embora se saiba que não há omeletes sem ovos!
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Ele deixou a zona eleitoral onde quebrou o ovo a que tinha direito. Encontrou um amigo que lhe diz um tanto aliviado: finalmente terminou... Agora, é ver o resultado. A sorte está lançada, como diria Júlio Cesar (o amigo é professor de História Antiga). Ele replicou: nada disso! Agora, vamos ao bom ou mau omelete. Mas – disse o meu amigo com ênfase – que deve ser produzido pensando em todos...
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Os ovos são quebrados e o omelete jamais sai como aquele feito por mamães. Nada é perfeito e pensar que pensar que se pode chegar à perfeição é como botar um chifre na cabeça de um cavalo. Cada solução, como cada governo, resolve certos problemas e satisfaz certos grupos, mas seus instrumentos (eu quase dizia, seus ovos) resolvem e promovem outros problemas. O mundo social não é estático e tentar amarrá-lo foi o objetivo dos despotismos que comecemos tão bem no Brasil.
Não há resposta única para a busca de um razoável bem-estar coletivo, conforme a antropologia tem mostrado. Em todo lugar, a ideia da harmonia é respondida de modo diverso. O problema é imaginar que, para além do bom senso que promove a equanimidade, existem respostas únicas e exclusivas para tais questões e que o nosso partido as conhecem com a mesma certeza com a qual se quebra um ovo. Os bolos soam e os omeletes desandam. Eis a ironia que transforma o projeto de liquidar a pobreza em corrupção.
Isaiah Berlin diz: “Se você estiver convencido de que existe uma solução para todos os problemas humanos e de que alguém possui uma visão de uma sociedade que pode se concretizar apenas seguindo certos passos por vez, você e seus seguidores necessariamente garantirão que nada no caminho atrapalhe o trajeto em direção ao suposto paraíso na ter”.
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O final da eleição – esse ritual que legitima um novo governo a ser rigorosamente governado por seus eleitores tem a receita do encontro dos iniciandos com os iniciadores –, o povo comum que vota e aqueles a quem atribuímos o direito, o dever e honra de administrar por tempo determinado o bem comum.
Escolher é ser livre. Escolher usando os mesmo instrumentos é ser igual. Preservemos esse omelete como uma prova viva do poder de escolher sem coações. E que o nosso primeiro gesto seja o de substituir a negação pela equanimidade.Roberto DaMatta
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