segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Salvar Badajoz

Guernica
Para a história da aviação. Em Badajoz foi hoje dado nome a uma rua. O motivo, a causa, o pretexto, a razão, ou como se quiser chamar-lhes, já têm mais de cinquenta anos, e muito fortes terão sido para sobreviverem aos olvidos acumulados de duas gerações, justificados estes, em geral, pelo facto de as pessoas terem mais em que pensar. Não direi eu que os habitantes de Badajoz levaram este meio século e picos a transmitir uns aos outros o certificado de uma dívida que um dia teria de ser paga, o que digo é que algum badajoceño escrupuloso deve ter tido um rebate de consciência mais ou menos nestes termos: "Muitos dos que hoje vivem estariam mortos, outros não teriam chegado a nascer." Parecerá um enigma da Esfinge, e afinal é só uma história da aviação.

Há cinquenta e tantos anos, durante a guerra civil, um aviador republicano teve ordem de ir bombardear Badajoz. Foi lá, sobrevoou a cidade, olhou para baixo. E que viu quando olhou para baixo? Viu gente, viu pessoas. Que fez então o guerreiro? Desviou o avião e foi largar as bombas no campo. Quando regressou à base e deu conta do resultado da missão, comunicou que lhe parecia que tinha matado uma vaca. "Então, Badajoz?", perguntou o capitão. "Nada, havia lá gente", respondeu o piloto. "Pois", fez o superior, e, por impossível que pareça, o aviador não foi levado a conselho de guerra... Agora há em Badajoz uma rua com o nome de um homem que um dia teve pessoas na mira da sua bomba e pensou que essa era justamente uma boa razão para não a largar.
José Saramago, 9 de fevereiro de 1995

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