quinta-feira, 7 de junho de 2018

Dilma e o judeu errante

Dilma não é judia e nem foi condenada por seu pecado, como na antiga lenda do judeu errante e, no entanto, parece caminhar sem sossego em busca de um destino dentro de seu próprio partido, o PT. Desde que foi apeada dramaticamente de seu posto, a primeira presidenta do Brasil, escolhida pelo mítico Lula, o primeiro presidente operário, para sucedê-lo no cargo, parece uma sombra que percorre o mundo proclamando sua inocência política. Uma voz, que parece, no entanto, clamar no deserto de seus companheiros de partido, pois agora, a dois passos das eleições em que poderia tentar reconquistar o poder que lhe arrebataram, parece encontrar as portas fechadas.

Até aqueles que viram seu impeachment não como um golpe, mas como um ato constitucional, não conseguem entender a solidão a que parecem estar submetendo Dilma. Pelas notícias publicadas, a ex-presidenta estaria encontrando dificuldades para poder disputar pelo PT até uma eleição para o Senado.


Ela permanece fiel ao discurso de seu partido, de que foi arrancada ilegalmente de seu posto, enquanto continua a defender apaixonadamente a inocência de seu ex-tutor Lula, hoje preso. Existe até quem pergunte por que o PT, que continua defendendo que a saída de Dilma foi um golpe parlamentar injusto e ilegal que deu lugar a um Governo ultraconservador e ilegítimo, não pensa nela como candidata à presidência se Lula for impedido de disputar a eleição. Ela é uma das poucas figuras importantes do partido que ainda não aparece como ré no escândalo da Lava Jato e poderia ter grande apoio eleitoral.

Seria a melhor forma, não poucos o pensam, de o partido mostrar que continua a defender que ela foi ilegalmente arrancada de seu posto e que continua gozando da confiança dos seus. Perguntam que se é verdade, como parece, que Lula será impedido pela lei da Ficha Limpa de ser o candidato do partido e dado que, aparentemente, não há nenhum outro candidato capaz de assumir o legado do popular ex-presidente, porque não substituí-lo por ela, considerada vítima das intrigas da direita.

A solidão de Dilma aparece até nas pesquisas, nas quais seu nome nunca foi colocado como possível candidata novamente à presidência, como foi feito com outros personagens até alheios à política, como o apresentador de televisão Huck, o juiz Moro ou o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. Teríamos sabido, pelo menos, o que o eleitorado pensa sobre ela e até que ponto estaria disposto a votar nela outra vez para reconquistar a presidência.

Sabe-se que a política não abunda em fidelidades e que, como diz o ditado, “rei morto, rei posto”. Essa dura realidade humana não perdoa nem mesmo as figuras que um dia foram exaltadas com paixão. E aquela solidão de que Dilma sofre hoje, cuja saída do cargo criou grande parte do terremoto político em que hoje o país está envolvido, poderia amanhã ser sentida por Lula em sua carne. Um velho amigo jornalista espanhol me diz: “Juan, a política é assim, cruel. Não se iluda. Sobe aquele que melhor sabe empurrar e o que melhor sabe cavalgar por cima dos caídos”.

No entanto, não será fácil para o PT explicar que se Dilma foi expulsa da presidência ilegalmente, por que não lhe é dada agora a chance de reconquistá-la nas urnas? Ou será verdade que a política não é apenas cruel, mas também desmemoriada? Não estou fazendo a defesa de Dilma e sou daqueles que não consideram o impeachment um golpe contra a legalidade constitucional, mas não por isso deixo de sentir certa inquietude ao ver a ex-presidenta vagando como um judeu errante sem que os seus colegas de partido encontrem um lugar para colocá-la. Para que serviu então tanto barulho, tantas lágrimas, tantos anátemas e tanta dramaticidade com sua saída, cujo fruto foi, em boa parte, a quebra da confiança do país na política?

Juan Arias

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